As
páginas da vida
Não as escrevemos.
Apenas as revemos de vez em quando. Temos páginas em branco -
confessemos que a maior parte – temos páginas negras, páginas
amareladas pelo tempo, páginas brilhantes e páginas
comprometedoras. Arrependemo-nos das páginas em branco com a raiva
de quem desperdiça algo de muito valor ou antes, de valor
incalculável, cada página em branco é uma página onde, nesse dia
nada escrevemos, sem uma palavra amiga, sem um gesto de ajuda, sem
sequer um sorriso para quem nos olha, vinte e quatro horas que não
recordamos porque nada ficou gravado no livro da nossa vida, vinte e
quatro horas dum nada que apenas se transforma em remorso por nada
ter escrito nelas. As páginas negras são as que estão escritas
debaixo do negro da página que nunca poderemos reler porque fomos
nós que as pintámos de negro para que, à força, não mais as
conseguissem os ler. Mas o negro lá está fazendo-nos lembrar aquele
segundo, minuto ou hora em que a maldade nos venceu. As páginas
amareladas pelo tempo são as ditadas pela tristeza, a côr da tinta
quase desapareceu, a vida vai-nos ensinando a folheá-las cada vez
menos, mas a conservar visível o que está lá escrito para que a
saudade por vezes ainda tenha o direito de as visitar. As páginas
comprometedoras, essas deixo que o tempo as vá comendo. As páginas
restantes, vou-as conservando quanto a memória o permita.
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