Resolvi dar um arranjo nas janelas da minha casa, umas fechando mal, outras desiquilibradas nas dobradiças outras com problemas nas fechaduras. Assunto trabalhoso para o qual me sobra tempo e me falta habilidade. Não saio ao meu pai, que, oficial da marinha na reserva, montou uma oficina de carpintaria na casa onde vivemos até sairmos para o colégio, O pai montou uma carpintaria exemplar onde não faltava uma bancada comprida, ferramenta variada, tábuas e tabuínhas de madeiras diversas, torniquete, pregos compridos, pregos curtos, dobradiças, cordéis, arames de cobre, de ferro e de aço. Tudo bem penduradinho nas três paredes da divisão, nunca nada espalhado nas mesas, ou esquecido no chão.
O desembaraço desenvolvido nos barcos e nas capitanias que comandara, revelava-se na feitura das marcenarias em que se empenhava. O quarto de dormir do meu padrinho, cunhado do meu pai, foi mobilado com um presente de casamento feito por ele naquela oficina. Lembro-me que eu, com seis ou sete anos e frequentando a escola primária, acordava ao som de marteladas, duma polaina alisando uma tábua ou da lixa eliminando imperfeições.
Foram necessárias três agressões duma angina de peito - nesse tempo, com essa doença, era sofrer e calar - para abandonar a oficina. Onde nunca mais entrou, durante os seus últimos três anos de vida.
Um dia, a caminho da escola, contei ao meu maior amigo de então, o Zé Santos, a história da oficina de carpintaria do meu pai. Do outro lado da rua onde morava o Santos, um marceneiro célebre em Portimão (era actor cómico amador, cheio de graça, de humor e de boa disposição), ao vê-lo, eu referia sempre a habilidade e a teimosia do meu Pai, nos trabalhos a que se dedicava. Até que um dia o Santos se voltou para mim e disse:
- Não me mostras essa oficina do teu pai?
- Sun, anda daí, anda lá a casa que eu mostro-te .
E lá fui mostrar ao Santos a carpintaria do meu Pai.Desse dia em diante, passámos muitos domingos na carpintaria.Sem fazer grandes obras mas sofrendo muitos entalões, cortes e feridas.
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