Nos anos sessenta, o Zanati, que eu conhecia em Angola, trabalhava na baixa de Cassange, a zona, ao Norte de Malange, entre a povoação de Samba Caju e a Lunda, zona então quase inexplorada por emigrantes portugueses, povoada apenas pelos habitantes autóctones, por um funcionário do Instituto do Algodão de Angola e percorrida amiúde por funcionários da concessionária algodoeira da região, entre eles o Zanati. Este andava no seu "jeep" por toda aquela extensa zona, transportando sempre a sua espingarda 325, precaução necessária, ainda existiam por lá alguns felinos.
Um dia, após o meu regresso de Angola, encontrei o Zanati, no aeroporto de Faro. Relembrámos os tempos passados em Angola. E contou-me que, uma manhã, visitando e percorrendo a pé algumas lavras de algodão, ouviu o ajudante que o acompanhava, dizer-lhe - "Patrão, lá à direita, leão!". Zanati estacou. E a uns cinquenta metros confirmou o aviso do ajudante. Viu o leão. Empunhou a arma, virou-se lentamente para a direita e deu um passo atrás para se colocar em posição de tiro. Mas por azar, enfiou a perna que recuara, num buraco de jimbo* . Estatelou-se, caindo para trás soltando a arma. O leão, dando por ele, rapidamente se aproximou, não lhe concedendo tempo suficiente para levantar-se. Ao cair tinha arranhado um braço nos espinhos das ervas secas. O leão,. um macho de cinco anos, imobilizou-o pondo-lhe uma pata em cima do peito, cravando-lhe as unhas possantes para o segurar. Sentindo o cheiro agradável do sangue que aflorava no braço, efeito das arranhadelas, começou a lamber-lho, a língua bem áspera aumentando as feridas..
Eu sorria da história. O Zanati interpretou o meu sorriso como de dúvida, E disse-me, abrindo a camisa e mostrando-me o peito:
- "!Olhe, ainda cá tenho as cinco garras marcadas!". -
E na realidade as cinco marcas estavam bem visíveis.
- E depois, o que aconteceu ? - perguntei - lhe eu.
- Ora, o meu ajudante, desatou a atirar pedras tentando distrair o leão, acertou-lhe uma, o bicho voltou-se e perseguiu-o, dando-me tempo para me levantar, pegar na arma e matá-lo.
Eu continuava, no íntimo a pensar que era mais uma história das muitas empoladas e inventadas por caçadores. E disse-lhe:
- Que aventuras passou você em Angola !
- Mas olhe, quer saber o que me impressionou mais nessa ?
Eu continuava com o mesmo sorriso de dúvida. Mas ele continuou:
- O mais impressionante, o que recordei até hoje com mais pormenor, foi o bafo do leão exalado a centímetros da minha cara, enquanto me lambia o braço, aquele bafo tão horroroso vindo do estomago que digeria carne e me fazia esquecer o medo e a dor causada pelas lambidelas do bicho ! Até hoje nunca mais cheirei nada pior, nada mais fétido e intenso!
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