Embora pareça difícil de constatar, de aferir, de atender, a vida é assim: imprevisível, imprescritível, impeditiva. Táo previsível, inesperada, inconstante, como a chuva no deserto, um cabelo na cabeça duma caveira, uma picada dum fio de algodão. Se esperamos que aconteçam os factos previsíveis, nunca há certezas. Ainda que estejamos deitados comodamente numa cama impecável, com lençóis impecáveis, mantas e travesseiros impecáveis, em silêncio profundo ,sem nos mexermos, sem provocar ruídos, sem sequer agitar as pálpebras ou mover os olhos, surgem sempre alterações, ténues ou intensas, que nos movem a mente noutro sentido, nos lançam noutras ideias, nos perturbam a paz de espírito, nos movem ou comovem, nos atiram para outro mundo. Poderão não ser materiais, invisíveis, inodoras, insonoras, apenas usufruírem da leveza dum pensamento, dum súbito clarão da consciência, do roçagar do lençol .num pé que se agita em reacção ao imobilismo prolongado. Embora o nosso quarto esteja pintado verde feno, quando os olhos pousam na rosa branca que a empregada doméstica colocou numa jarra, aí surge nova ideia, pronuncio de decisão posterior e de especulação sobre os acontecimentos que a poderão alterar. Centímetro a centímetro surge o inusitado, o imprevisível. Para quem sente o que vê.
E sem querer, os olhos encaram a estátua la fora e a memória lança-nos na história, provocam o sonho, delineiam a rima para um verso novo que surge.
1 comentário:
Que lindo texto ... ha tantos pensamentos y sentimentos que nunca contamos, que nunca nos atrevemos a por cá fora... alguns por demasiado íntimos... outros por nao saber se alguém os quer ler ou ouvir... outros por estarem cá tao escondidos que nao conseguem pasar além do nó da garganta, do aperto da nostalgia, da dor da memória ou simplesmente porque nao ha palavras que cheguem para os apanhar e descrever...
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