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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Os "transistors"

            Nos anos sessenta do século vinte, barcos-fábrica japoneses apareciam com frequência no pôrto de Luanda, comprando aos barcos de pesca locais todo o peixe que traziam do mar. Quando ali chegavam funcionários da polícia marítima e das alfandegas subiam a bordo e controlavam todo o peixe comprado. Esses barcos adquiriam durante a curta estadia, muitas centenas de toneladas de pescado variado, que de imediato era limpo e preparado para entrar nos frigoríficos do navio, sofrendo congelação rápida e assim congelados com rapidez, após a prévia preparação para eliminação das cabeças, espinhas, barbatanas e até da pele nalgumas espécies. O peixe era pago em dólares e uma pequena parte em artigos que a indústria japonesa lançava então no mercado internacional. Um desses artigos, um dos mais preferidos era o "transistor" nome porque então se conheciam os rádios electrónicos , a pilhas
              André, um mestre e dono duma traineira de pesca, era um dos vendedores que quase sempre  acudia ao barco-fábrica e vendia o que havia pescado na noite anterior. O seu pai, trouxera de Portugal a traineira, partira de Lagos com o gasóleo e os mantimentos necessários para a viagem de vinte dias até Luanda, onde chegara dois anos antes de estalar a luta pela independência. E um amigo, o Jorge, comprava-lhe em Luanda, a bom preço, todos os rádios que  recebia dos japoneses.
               Um dia o Jorge propôs-lhe um negócio:
                    - André, podes ainda conseguir maiores lucros se trocares estas pedrinhas por transistors" - e mostrava-lhe um saquinho  com as tais pedrinhas reluziam lá dentro.
                     - Que pedrinhas são essas, não me digas que são...
                     - São isso mesmo, é feijão branco da Lunda, trouxe isto ontem de lá - nesse tempo em vez de diamantes, por precaução, em Angola chamavam-lhe feijão branco.
                     - Mas então queres que eu leve isso aos japes, eu não sei se eles os querem !
                     - Olha André, querem, um amigo meu, em Mossãmedes vendeu-lhes uma garrafa de água do Castelo, cheia, recebeu um montão de dólares e umas centenas de rádios.
                     - E a polícia marítima não me vai prender, porque não tentas leva-los  para a Holanda?
                     - Impossível, meu caro. A Diamang controla, tem muita gente bem paga para os não deixar sair, a legislação portuguesa mete na prisão por muitos anos os que são apanhados. No barco-fábrica é muito mais fácil passa-los, até há uma senha para o comandante os receber e pagar.
                     - E qual é a senha?
                     - Olha é apenas: " café bom café", metes estas três palavras na conversa e pronto, o comandante já sabe do que se trata, resta definir com ele, os pormenores.    
            Depois de conhecer e aprofundar mais sobre a operação, André anuiu. Parecia fácil: pedia-se ao comandante do navio para tomar um café metendo as três palavras senha na frase do pedido. Meia dúzia de pequenos diamantes e André obteve na troca,  umas dezenas de "transistors" e uns milhares de dólares, além do produto da pesca que vendeu nesse dia.
             
         Dois meses depois o mesmo barco-fábrica voltou a Luanda e André resolveu convidar de novo o comandante do navio para um café. E meteu na frase do convite a mesma senha que era "café, bom café"
                    - Senhor comandante - disse o André - gostaria de tomar consigo um café bom café...
            E ele respondeu-me de imediato:
                    -  Nem café bom café nem feijão bem branco, hoje não posso,
            Era outro comandante, a senha não pegou, André compreendeu.
  

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