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quarta-feira, 2 de julho de 2014

Viagem de arca - 7 -

           Os meus sete irmãos tardam a aparecer. Mas eis que o que era aqui na Terra o mais velho, a Maria Fernanda. Vem com a figura e o semblante dos seus vinte e dois anos de idade quando aqui vivia. Eu havia sido informado, parece-me que pelo meu Pai, que no lugar para onde todos vamos, não há idades, cada uma ou cada um apresenta-se com a idade que, quem a olha, mais apreciou aqui, por recordações, por fotos, pela história de cada um. Desta vez, a Maria Fernanda apareceu-me com a sua figura airosa de antes de casar, dizendo-me:
                - Sabia, pelo nosso Pai, que viajavas na arca de cânfora que o Pai comprou depois de casar com a tua Mãe. Eu aqui vivo, nesta outra vida, rodeada de amigos do meu tempo na Terra e de muitos antepassados poetas que me procuram. Li os teus dois livros, fiquei admirada com o que escreves, não imaginava que a tanto chegasses pois lembro-me de quanto custa escrever os primeiros livros, os primeiros versos, os primeiros contos. Mas nos próximos deixa sair mais do teu coração.
                 - Maria Fernanda - disse eu - que tal achas as obras das tuas netas ?
                 - A Mafalda, tem feito obra não inferior à da Rita. Apesar desta já ir no vigésimo sexto livro, a fundação Antonio Quadros não lhe fica atrás em valor. Doutra forma ele, que aqui é muito apreciado, ai não seria recordado sem a obra dela, a fundação. Estaria provavelmente esquecido. E, não é por ser meu filho, mas porque foi importante a sua contribuição para a literatura. Aqui onde estamos sem sentirmos o tempo, não se distingue quem quer que seja pelo seu intelecto, mas trazemos, de lá da Terra, esse bichinho da cultura, pela minha parte, não cesso de escrever, tenho material que chegaria para editar mais vinte ou trinta livros. Aliás pelo que aqui me informaram, num futuro não muito longínquo, para vós não serão necessários os livros, os habitantes da Terra - o que sucede e sucedeu há muito em muitos outros planetas existentes ou que existiram - conversarão e conhecerão toda a obra escrita por comunicação mental.
                      - E tardará muito, Maria Fernanda?
                      - Não te posso dizer quanto. Aqui sabemos, se o desejarmos saber, o que irá acontecer. Porém, como aqui não existe tempo da forma que existe aí, nada sabemos - nem sequer pretendemos saber - de medidas de tempo seja para o que for. Aqui, o universo do nosso pensamento, expande-se ou contrai-se quando pretendemos desvendar qualquer incógnita, dúvida ou problema. Algum dia
continuaremos a conversar.
                      - Maria Fernanda, o que eu mais apreciava em ti, era seres incapaz de culpar alguém por maior pecado que cometesse. Tinhas sempre uma palavra de louvor, suavizavas sempre o que comentavas a respeito de quem a voz comum era a de crítica acerba.
                       - Sempre pensei que de nada serve apontar os erros e os pecados dos outros por maus que fossem. Para que serve isso?  Só serve para sairmos da alegria em que vivemos.
                       - Disseste que continuaremos a conversar, quando será?
                      - Mesmo que o soubesse não te diria, como deves saber pelos teus antepassados com quem tens falado, aqui não existe a pergunta - quando? -  E pela mesma razão, não existe a resposta.
            E a Maria Fernanda vestindo aquele lindo vestido branco. vaporoso, delicado e diáfano, afastou-se, sorridente.                          
  

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