* Ramalho Ortigão

Vou relendo "As farpas", de Ramalho Ortigão .
Não necessitamos de paciência nem lastimamos o tempo que dedicamos a essa leitura. Porque nos cativa pela sinceridade, prende-nos pela beleza dos seus artigos, demonstra e desenvolve o rigor dos seus juizos a beleza das suas composições.
As suas "Farpas" são entradas no passado, amostras das realidades daqueles tempos, algumas previsões sem ironias ou atrevimentos, do futuro .
Sem bajular o que é grande nem amesquinhar o que é pequeno, inutil, vulgar.
Ao ler as "Farpas" parece que andamos num corroussell intelectual, num turbilhão de realidades, por vezes situando-nos nos segredos daquele século.
E sempre sem timidez hipócrita, com destemor natural, com rectidão na lingua.
Eça de Queiroz foi o nosso grande artista do romance. Ramalho Ortigão, o da palavra.

* Vida
A nossa vida, como disse Ortega e Gasset, depende essencialmente das circunstâncias e da decisão. Das circunstâncias em cada momento fo vida, da decisão que tomamos em face de cada decisão.
S Ainda antes de nascermos estamos dependestes das circunstâncias ou condições em que nascemos: do lugar, das progenitores e outros factores. Mesmo o clima pode alterar osso destino.
Se o meu irmão escolhesse outro dia ir a Sevilhas, naquele dia não teria conhecido a rapariga com quem casou. E eu não teria conhecido a rapariga que era sua amiga, que conheci no dia do pedido de casamento do meu irmão, rapariga essa com quem estou casado há sessenta e cinco anos.
Circunstâncias e decisões. Acasos e consequência.

* Siléncio

Silencio é assunto bem estranho
Dificil de conseguir, avaro no que dá
Quanto mais nele me entranho
Menos de tudo me permitirá

Não tem comprimento, largura, altura
Sempre me abre luz ao pensamento
Tal como o vento na planura
Corre, num sossego permanente

Porque não há orquestra que o imite
Porque nada o consegue molestar
Entra onde quer, gosta de ficar

Muito se perturba com a luz
É calmo, sensato, benevolente
Nunca qualquer maldade ele produz

* Agradeço a quem me ensine
O futuro a desvendar
O que muito me define
É de fantasias criar

Porque se a esperança dá
A todos força e alento
Aguardo que venha e vá
Bem junta ao meu sentimento

Eu gosto de ver a luz
Dessa minha fantasia
É uma luz que me conduz
Nos caminhos da alegria

*Quem nos comanda a vida?
É uma pergunta que a muitos incomoda responder. A que muitos não querem responder. Que muitos ignoram responder.
Mas, desde que nascemos, dia a dia, vamos-nos modificando, subtilmente, cada passo que percorremos, mudamos. Ou ficamos para tráz ou andamos um pouco mais. E há os que apenas dão passos com as pernas, apenas vão percorrendo as estradas, apenas andam por onde os deixam andar. Outros dão os seus passos percorrendo fantasias, sondando o desconhecido do espírito, dão passos em liberdade modelando o seu caracter, tomando as decisões que querem, no sentido do amor, da lealdade, da simples amizade.
E alguns por ali ficam parados, já não caminham pelas estradas da vida, nada mais conseguem que dar passos com as pernas. Outros , até ao fim da vida conseguem modelar o caracter, dar passos para cima sem ter asas.
Talvez no caminho de quem o do que nos comanda.

* O que nos sobra no futuro?
Quando relemos o que aprendemos da história do homem entre o martírio do homem e as felicidades que o homem, sofreu resultam-nos algumas conclusões no nosso espírito. Poderão ou não concordar, poderão encontrar outras conclusões que vos pareçam mais importantes. Todavia as que julgo primeiras são:
- Desde os tempos em que o homem vivia em cavernas até aos dias de hoje, como todos os outros animais, o homem envolveu-se em guerras fratricidas. Todos os homens, como todos os outros animais, guerrearam entre si para defender o território, defender a familia ou para seu sustento.
- As guerras entre os homens resultaram quase sempre na aquisição de conhecimentos, de alguma cultura, no aumento ou maior exploração da sua capacidade mental, da sua inteligência.
- O homem ainda não descobriu as origens da sua vida e das outras vidas que existem na Terra. Apenas pretende saber ou vislumbra que qualquer coisa pode permanecer depois que o seu corpo morre, coisa a que chama a alma ou espírito.
-Mas ainda que lhes sobre a alma, faltam muitos passos até saber o que fará a sua alma, no futuro.

* Perdas
Como sentimos uma perda causada pela acção dum estranho?
É mais forte a emoção duma perda que a dum ganho?
Quando se trata de defender o território, ainda que o atacante seja mais forte, em geral o defensor vence - como sucede com a ave atacada por serpentes no seu ninho. E a criança a quem lhe tiram o brinquedo com que brinca, reage mais agressivamente do que se lhe puserem ao lado mais dois ou três. O cliente, habitual da loja que repara que um artigo que comprou dias antes agora custa mais barato, encara o assunto como uma perda, pela injustiça do que lhe cobraram antes- Por isso as promoções e os saldos pouco efeito têm nos clientes habituais.

* Aversão
Pode ser mais que antipatia, menos que ódio, alguama repugnãncia.
´ Ódio aos trinta anúncios da televisão que me interrompem uma cena palpitante do filme, repugnância pelos vómitos causados por aqueles ´ dois camarôes podres que ingeri com a cerveja, antipatia pela senhora que exala um mau olor do sovaco pouco perfumado.
Porem, poderá ter um sentido mais lato como agora se diz, mais abrangente. Envolvendo por exemplo uma classe profissional, uma fatia da sociedade ou até entrando no domínio da ética, da moral, dos bons costumes.
A classe dos profissionais da medicina á avessa, pouco dada, a preferir tratar da conservação da saúde, quase que só preferindo tratar a doença. Os economistas revelam uma certa repugnância pelos dados concretos, preferindo em geral as tendências, as estatísticas, as curvas dos gráficos representativos. os políticos apreciam muito as parábolas, a irresponsabilidade e a aversão ao cumprimento das promessas.
Mas também por cá andam muitos que só falam das excepções.

* Belo
O que é o belo?È o que sentimos, o que muitos sentem encarando uma obra, escutando uma peça musical, ouvindo um discurso, contemplando uma paisagem? Ou, simplesmente, segundo Kant, "o que nos agrada desinteressadamente" ou ainda, segundo Stendhal,"o que conduz à felicidade"?
O belo, substantivo, é uma emoção, um sentimento que parece elevar-nos a imaginação, que parece despegar-nos deste mundo e transportar-nos para outro, indefinido, etéreo, sublime, impessoal, colorido do que mais gostamos, agradavel como o melhor dos perfumes.

+ Presunção
Nem todos os presumidos tomam água benta porque mais vale um pássaro a voar que dois na mão dado que nem todo o oiro na mão reluz e ásvezes não é a conversar que a gente se entende. O que de facto muitas vezes não acontece e porque outras muitas o rebuçado é amargo, respeito a convicção que quase nunca encontro o que muito procuro, quase sempre está mesmo em frente dos olhos e não dentro do frigrorífico e não dentro do bolso do casaco que nâo visto há dez anos.
Porque eu, quando tinha dez anoa já andava com os pés para a frente e fazendo aquela partida antiga de beber a água da pia da águaa benta.

* HesitaçãoMMais uma palavra cujo significado muitos julgam conhecer mas que por vezes poucos compreendem.
Duvida o namorado se ela gosta dele. Fica perplexo o marido quando lhe aparece um policia à porta.Fica indecisa aquela mulher olhando para as duas camisolas que retirou da perateleira da loja. Mostra-se embaraçado o miúdo que fea xixi nas calças. Vacila e titubeia o bêbado, amparando-se no candeeiro do jardim.
Mostra receio o ladrão interrogado na esquadra.
Todos eles estão hesitando.

*   Preferências e  tendências

•     No decorrer da vida, pela educação, pela convivência, por muitas circunstâncias, pela incidência ou coincidência de muitos acasos, adquirimos tendências, moldamos, em parte, o caràcter, tomamos hábitos, percorremos cada um caminhos diferentes. Em face das inúmeras alternativas surgem-nos perguntas de respostas mais ou menos complicadas, mais ou menos intrincadas mais ou menos dificeis de responder. Por -exemplo:

                               - Que preferes: estar bem penteado ou ser honesto?
                               -  Que é mais importante, estar bem vestidinho, de camisa e gravata ou saber avaliar o carâcter do interlocutor?
                               - Reparar apenas no que  se passa à minha volta ou imaginar o que se irá passar? 
                               - Seguir as regras não avaliando as excepções?
                       As respostas  a estas e a outras muitas perguntas, constituem a grande riqueza da vida.                         
                                 

*    Ainda sobre o tempo
          Muito podemos especular sobre o tempo. Depende muito do que nos ocupamos no tempo para que o tempo bom da nossa vida deixe de  ser de ocupações inuteis para passar a ser um bom tempo de vir a ser. O tempo presente, depois do tempo que já foi e antes do que pode vir a ser, o tempo presente é mais pequeno que um infinitésimo,,que um electrão, que qualquer partícula que se cola a outras para nos dar um raio de luz, que as partículas com que um neuróneo compõe um pensamento. Mas existe, o tempo presente vive apertado, confortável, à-vontade, entre o tempo passado e o tempo futuro, sem inveja desses outros tempos, brumas do passado e do futuro.

*   Vida
Aponto uma correcção: foi Séneca e não Cícero que nos deixou a obra "Sobre a brevidade da vida", Obra como essa, que nos  tantos génios do passado demonstram bem em que podemos ocupar o tempo da nossa vida, legando ao futuro ensinamentos, juizos, bens escritos que deleitam e deleitarão pela leitura muitas gerações por todo o futuro. Glórias que nem o dinheiro, outras riquezas, as condecorações e diversas conquistas nunca poderão igualar, serão sempre recordadas. 

*   Vida
 Palavra das mais conhecidas. Nela muitos de nós não pensamos.
  Quando somos crianças aprendemos que a vida não é mais que a actividade de qualquer ser vivo. Se somos jovens começamos a entender a vida pela nossa existência Como adultos estimamos a vida como o tempo que passamos pela Terra. E os que pensam um pouco mais profundamente ocupam-se a pensar, de vez em quando" sobre a brevidade da vida" até descobrirem tudo o que Cícero escreveu na sua composição literária desse nome.

* Palavras
      Empregamos, nas nossas relações com os familiares e com outros, um vocabulário mais ou menos extenso - os mais simples empregam cerca de duas mil palavras - mais ou menos rico, mais ou menos de dificil compreensão para a maioria dos nossos semelhantes. Todavia, muitas das palavras mais aplicadas na conversação, têm um significado mais lato, usam-se em mais situações do que as usuais. Por exemplo: decisão.
      Uma decisão poderá ser de realização simples, como tomar um certo rumo no nosso passeio - ou complicada, como resolver pintar um quadro. A decisão poderá ser consciente como a de encher um copo de água, ou inconsciente como afastar as mãos do fôgo.
      A observação da decisão também é variavel, mesmo para os mais simples: poderá parecer-nos complicada, fazendo-nos hesitar, ou muito simples, então agiremos quase como que por instinto.
      Limitaremos sempre a análise das palavras que referiremos. Os leitores solicitarão ou não respostas às dúvidas que lhes surgirão.

*  Muita gente tem vontade de guardar
    Outros gostam muito de esconder
    São muitos os que gostam muito de amar
    Poucos os que apreciam quão bom é viver


Porque entre as coisas boas desta vida
Do que mais apreciamos nesta viagem
É o que nos concede o dia a dia que percorremos
Sem pagarmos qualquer bilhete na passagem