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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Excursão

Aguardávamos com ansiedade, não sabíamos ainda o que era a ansiedade, era aquela espera por um acontecimento que sabíamos agradável, nas nossas vidinhas. Não sabiamos ainda classificar o que esperávamos com ansiedade e com alegria, não lhes dávamos qualquer nome dos que conhecíamos para os sentimentos. A expectativa dos castigos, das más classificações nos fins dos períodos, dos tabefes em casa ou nas guerras com os camaradas, essas espectativas, as desagradaveis, passavam por nós com pouca antecedência da sua concretização e não deixavam resquícios, recordações.
Naquele ano do colégio contemplaram-nos com duas excursões. A direcção alugava um carro elécrico da "Carris", um daqueles maiores e onde cabiamos todos os das duas turmas do terceiro ano. Na primeira fomos ao museu dos coches, em viagem directa. Lembro-me que o 82, um dos companheiros na nossa mesa de quatro no refeitório, lembro-me que ele fez inúmeros comentários, "cá vamos cantando e rindo, temos a honra de inaugurar nova carreira de "eléctricos" do Largo da Luz ao Dafundo, com paragem no museu dos coches e saida obrigatória sem direito a fazer chichi", ou então "olha aquela varina, leva peixe espada e carapau do alto!" e ao passarmos pelo Terreiro do Paço "olhar à esquerda,o D.José a cavalo, toda a gente tira o barrete!".
Acompanhava-nos um tenente, homem dos seus vinte e oito ou trinta anos, sempre bem disposto e que, dentro do museu, para amenizar a tristeza do ambiente soturno, o cheiro a velho que todos sentímos lá dentro, e o silêncio que nos calava, das carroças antigas, parecia-nos que a todo o momento aparecessem fantasmas das almas das realezas que percorriam as estradas doutros tempos, naquelas carripanas. Então ele, na falta de melhor cicerone, contou-nos várias histórias, verdadeiras ou não, nunca me interessou sabe-lo, algumas fizeram-nos rir, amenizando o silêncio sepulcral que ali pairava. "Olhem,meninos, neste coche um rei ao descer caíu e partiu o nariz ainda aqui estão no estribo restos da nódoa que o sangue dele deixou", "mas oh meu tenente, então isso já se passou há mais de cem anos e ainda está aí a nódoa?", "oh 327, o sangue de rei prega nódoas muito fortes" e assim calava os comentários mais atrevidos.
Sabia pouco de coches mas sabia bastante de história.

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