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segunda-feira, 30 de março de 2015

O dia em que o meu Pai me entregou no colégio

              Aos onze anos entrei para o Colégio Militar. O meu Pai levou-me a Lisboa, mostrou-me o caminho que depois sempre haveria de seguir quando regressasse de férias, andei pela primeira vez de carro eléctrico, pela primeira vez  conheci o cheiro a gasóleo, do fumo que deitavam os táxis de Lisboa, pela primeira vez dormi num hotel, pela primeira vez, só com o meu Pai, comi um almoço num restaurante da baixa lisboeta. Restaurante conhecido pelo "farta brutos": por dez escudos, o custo de dez jornais, começavam por nos apresentar uma quantidade de tigelinhas com vários acepipes, que no cardápio do almoço figurava como "acepipes variados". Mais um prato de peixe, mais um de carne, fruta e doce. O Pai, bom garfo, comeu de tudo com abundância e incentivou-me a não deixar nada nos pratos servidos.
E depois do almoço levou-me ao colégio, apresentou-me ao oficial de serviço e ali me deixou. Espantado, secretamente um pouco magoado, mas resignado, que remédio. Mais tarde compreendi porque  ali fiquei.
             A vida no colégio, as nossas deslocações para as aulas, para o refeitório, para fora da "companhia militar" onde me inseriram, eram sempre feitas a toque de caixa, em marcha disciplinada e obrigatória, nascendo no meu consciente uma repulsa por tudo o que fosse tropa, sentimento que foi reforçado e constante, em particular após a primeira aula da infantaria, dada por um tenente de mentalidade nazi, que declarou, com ar ameaçador, que indivíduos muito morenos, como eu e outro colega, éramos seres inferiores. Regressados dum verão onde as nossas peles morenas com o sol das praias, tinham adquirido o tom da pele dum africano, naturalmente tostada, a inteligência daquele oficial não foi suficiente para uma avaliação mais correcta das nossas origens. E para imaginarem o caracter desse oficial, basta referir que, mais tarde, frequentando o curso para coronel, foi chumbado nesse curso e, não suportando o facto dum oficial ter sido reprovado, suicidou-se.
             Mas o colégio deu-me uma esplêndida preparação intelectual que me permitiu obter, com pouco esforço, o diploma do curso superior de  agronomia., 

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