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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Raciocínios de criança(em 1934)

)          Vou descrever o que se passava há um ano e quando eu ia para a escola. Saía do quintal da minha avó, pela porta ao lado da cavalariça, seguia pela Travessa do Capote, atravessava a Rua da Ribeira, onde estava sempre o mesmo homem a gritar o peixe que havia na praça, seguia pela travessa da mercearia do senhor Vicente um senhor que eu, sem perceber, ouvia dizer que ao fim de sete tentativas tinha sete filhas; prosseguia pela Travessa Do União, onde estava o clube onde a minha mãe ia, mascarada, dançar no carnaval, num dia em que eu não ia à escola, voltava à direita pela Travessa da Cidade a rua onde se juntavam  todos os gatos e gatas da cidade , atravessava a Rua de Santa Isabel, aquela senhora que toda a gente dizia que oferecia rosas ao seu marido, que era rei, seguia pela Travessa das Duas Ruas, que me explicaram que assim se chamava porque a rua que vinha de cima desaguava  na travessa, dividindo-a em duas,cruzava a Rua Cinco de Outubro, o dia em que diziam que tinham sido implantada a república, uma planta que nunca me sabiam dizer qual era,  ia pela Travessa do Jardim Novo, que era muito mais velho que eu, já tinha uns dez anos passava pelo palácio Sarriá, o nome dum senhor que diziam que era um malandro dum espanhol que tinha deixado a família em Faro e o palácio aqui e também passava por aquele jardim onde num tanque uma cegonha estava sempre, sempre, a meter o bico comprido dentro da garganta dum lôbo e onde as pessoas se sentavam em  muitos bancos com azulejos, um deles com o Mouzinho de Albuquerque prendendo o Gungunnhana e outro com um senhor lendo um livro para outros senhores e num azulejo, azul como todos os de todos os bancos, estava escrito 1820 e " primeira constituição", nunca cheguei a perceber o que é que aqueles senhores todos ali constituíam naquele banco enquanto o Gungunhana, no outro, não acabava de se vestir para acompanhar o senhor Mouzinho. E então começava a descer a Rua Direita, que outros chamavam Miguel Bombarda não sei porquê, talvez porque ao dono da minha escola, onde eu chegava depois de passar a chapelaria  de homens e entrar, na primeira à esquerda, na Rua da Alfândega, talvez porque ao dono da minha escola, casado com uma senhora que tocava piano, a dona Clotilde, talvez, pensava eu, porque ao dono da minha escola, alguns lhe chamavam  Zé Bomba .  

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