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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

"Aos simples " ( de Guerra Junqueiro)

"Ó almas que viveis puras, imaculadas,
Na torre do luar da graça e da ilusão,
Vós que inda conservais, intactas, perfumadas,
As rosas para nós há tanto desfolhadas
Na aridez sepulcral do nosso coração;
Almas, filhas da luz das manhãs harmoniosas,
Da luz que acorda o berço e que entreabre as rosas,
Da luz, olhar de Deus, da luz, benção d'amor,
Que faz rir um nectário ao pé de cada abelha,
E faz cantar um ninho ao pé de cada flor;
Almas, onde resplende, almas onde se espelha
A candura inocente e a bondade cristã,
Como num céu d'Abril o arco da aliaça,
Como num lago azul a estrela da manhã;
Almas, urnas de fé,de caridade e esp'rança,
Vasos d'oiro contendo aberto um lírio santo,
Um lírio imorredoiro, um lírio alabastrino,
Que os anjos do Senhor vêm orvalhar com pranto,
E a piedade florir com seu clarão divino;
Almas que atravessais o lodo da existência,
Este lodo perverso, iníquo, envenenado,
Levando sobre a fronte o esplendor da inocência,
Calcando sob os pé o dragão  do pecado;
Benditas sejais vós, almas que est'alma adora,
Almas cheias de paz, humildade e alegria,
Para quem a consciência é o Sol de toda a hora,
Para quem a virtude é o pão de cada dia!
Sois como a luz que doira as trevas dum monturo,
Ficando sempre branca a sorrir e a cantar;
E tudo quanto em mim há de belo ou de puro,
- Desde a esmola qaue eu dou à prece que eu murmuro -
É vosso: fostes vós o meu primeiro altar.
Lá da minha distante e encantadora infância,
Desse ninho d'amor e saudade sem fim,
Chega-me ainda a vossa angélica fragrância
Como uma harpa eólia a cantar a distância,
Como um véu branco ao longe inda a acenar por mim!
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Minha Mãe, minha Mãe! Ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavan-se voando em tormo dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinhan-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca além, por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em trinfo ao Céu!...
E, mão postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo a Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas...
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
O meu coração puro, imaculado e santo
Ia ao trono de Deus pedir, como inda vai,
Para troda a nudez um pano do seu manto,
Para toda a miséria o orvalho do seu pranto
E para todo o crims o seu perdão de Pai!...
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A minha Mãe faltou-me era eu pequenino,
Mas da sua piedade o fulgor diamantino
Ficou sempre aabençoando a mina vida inteira,
Como junto dum leão um sorriso divino,
Como sobre uma forca um ramo de oliveira!"
( de Guerra Junqueiro)

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