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domingo, 19 de outubro de 2014

Um dia mais, um vestido menos

         
            Entrou em casa depois de um dia de contrariedades, o chefe a exigir mais três informações sobre as avarias em catadupa no parque de máquinas, aquele operador da grua que o ameaçava dia sim, dia sim com mais greves.
            A esposa levantou-se do sofá. Sêca, séria, sem a alegria doutros tempos, desfechou-lhe:
                     - Francisco, não tenho roupa nenhuma, tens de me comprar um vestido, não posso mais sair à rua com este, se pudesses íamos agora...
            O marido fez um gesto apaziguador, ao mesmo tempo tentando exibir grande cansaço, a grua do operador de máquinas zurzindo-lhe na cabeça:                   
                     - Cristina, desculpa, venho com a cabeça em água, no emprego...
                     - Francisco, desde há uma semana que venho falando-te nisto. Olha, se não tens disposição para sair, dá-me quinhentos euros.
            O marido atirou-se para o sofá, suspirou e começou com o rodeio costumado:
                     - Olha, Cris querida, não trago tanto dinheiro comigo, reconheço que necessitas de mais roupa, mas essa que trazes vestida não me parece que esteja assim tão mal, aliás tu conservas tão bem o teu guarda-roupa, estragas tão pouco o que vestes e o que calças, considero-me um marido privilegiado, não és como essas vizinhas cá de cima ou as outras do segundo direito, sempre a pavonear-se em vestidos novos, não sei onde aqueles maridos arranjam tanto dinheiro, realmente os negócios correm-lhes bem. Ontem falaram-me...
             Cristina, atónita, testa franzida, olhar de incredulidade, procurou mais argumentos:       
                     - Francisco, ainda não é tarde para ir aquela loja do centro comercial onde eu reservei o vestido que quero comprar, podias passar-me um cheque...
                     - Ai filha, deixei de usar livros de cheques, os bancos, é uma roubalheira com os cheques, imagina que agora por cada cheque o banco me  cobra um euro e ainda por cima, sabes o que se passou com o Ricardo? Imagina que passou um cheque para pagar a prestação do carro e o gerente do "stand" hoje não teve a lata de ir lá a casa dizer que o cheque não tem cobertura, imagina tu, o Ricardo, milionário e herdeiro duma fortuna daquela tia francesa que faleceu no mês passado coitada da senhora...
                     - Francisco, lá estás tu com a lenga- lenga  do costume, daqui a pouco fecha o centro,
passa-me o cheque, querido, vou arranjar-me para sair...
                     - Parece-me que tens razão, o centro comercial já deverá estar fechado quando ali cheguemos, querida podemos deixar para amanhã, um dia mais com um vestido a menos, não me parece um grande problema. Problema é o que me surgiu no emprego imagina que aquele mestre de obras que esteve ontem aqui visitando-nos com a esposa, então não queres crer que...            

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