Número total de visualizações de páginas

sábado, 18 de março de 2017

*
Não foi uma onda perdida que o levou, agreste, enrolada, para os seus seis anos, a mãe no sanatório, o pai entretido com os problemas cardiacos que disfarçava nas conversas intermináveis de glorias antigas nos ultramares que o tornavam conspicuo e distinto libertando-se dele em casa duns parentes. E reparou, surpreso que lá estava, na cabeça dos seus seis anos respirando de novo o ar do armazem dos frutos secos, dos figos eucharios em cima das esteiras, do monte das sacas das amendoas em casca, do perfume doce das alfarrôbas resignadas e espalhadas naquele canto enquanto o gatarrão da casa, paciente, preparava o salto para o rato atrevido que ia cheirando despreocupado uma saca vazia. Teve dó do ratito, bateu com o pé no chão, assustou mais o gato que o rato, desfez e desmobilizou a caçada.
Dentro da cabeça do garoto, reparou, surpreso que esta começava a pensar, coisas simples que sabia por vezes das mais belas, coisas complicadas que os seis anos não podiam descomplicar, um novelo de coisas que passavam para coisa nenhuma, um  ror de coisas que se confundia na cabeça onde estava, como o mar sereno em frente da sua praia. Mas nada mais? Tanto forcejar para entrar na cabeça dos seus seis anos, mas o que pretendia ? que  ali estivesse um Einstein a descobrir outra lei ainda mais importante que a da relatividade, ou um Nietsche desfazendo meticulosamente a filosofia moderna ? Não, começava a convencer-se que naquela cabecita tudo se iniciava pelo principio, era tão simples como isso.

Sem comentários:

Enviar um comentário