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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Viagem de arca - 3

     Avistei o meu Pai que não tardou em dizer-me:
             - Desde aquele almoço em que com o fumo dos fritos vindos da cozinha, comecei a tossir, apareceu-me o sexto enfarto e saí de casa para estas paragens, ou seja, desde há setenta e um anos, no calendário da Terra - aqui não existe calendário, nem sequer existe  o tempo - que eu não te via. Acabavas de chegar de Lisboa na manhã desse dia 16 de Junho de 1943, eu emocionado porque tinhas concluído com distinção os exames do sexto ano do liceu. E olha, a cadeira onde me sentei, tossindo e  donde vim dessa para melhor, está em casa da minha neta Paloma, essa cadeira não a  deixei roubar como roubadas foram as outras da nossa sala de jantar em Portimão. E a propósito essa minha neta Paloma é uma beleza e com que graciosidade ela dança, aliás sai à Rosa tua Mãe que continua a dançar cá onde está. E as outras netas que tenho, tuas filhas não ficam atrás, em beleza, da Paloma. E todas as que tenho - catorze se não me engano - são bonitas.
          - Pai, conta-me alguma coisa da tua vida de oficial da marinha, alem das que eu conheço como a história da aposta que fizeste e ganhaste, de comer cinco dúzias de pasteis de nata. Doce que a tua neta Clarissa faz às centenas, já os provaste no Chile?
           - Já e são tão bons como os que fazia a tua Mãe!
           - Mas então onde estás também se tem paladar, Pai?
           - Claro que sim, que ideia que os terráqueos têm deste lugar! Aqui, quem se portou bem ou mal na Terra ou noutro planeta, tem de tudo o que gosta.
            - Pai, os que não se portaram bem aqui, vão para o inferno?
            - Isso é uma treta inventada para atemorizar as pessoas,  no futuro desaparecerão essas ideias de vingança do Criador. Os que mal se portaram na Terra vem para cá como eu vim. O criador ensina-nos quando aqui chegamos que quem se porta mal na Terra sempre assim sucedeu porque se portaram mal com eles, na educação, nos exemplos, nos vícios, pelos ambientes em que caíram, pela pobreza em que os lançaram e por muitas outras razões. Aliás como a igreja apregoa, Deus, na sua infinita bondade claro que não poderia tratar mal ninguém. A prova é que tenho encontrado aqui alguns que na Terra - e noutros planetas do universo, segundo me contam - eram uns malandrões, ladróes ou assassinos.
            - Pai, continuas um grande conversador, essa fama que aqui deixaste. Mas conta-me pelo menos uma história da tua vida, que seja uma passada nas tuas viagens tripulando um barco de guerra.
            - Está bem, está bem!  Conto-te uma. Na minha primeira viagem como guarda marinha, num  barco de guerra que se chamava Adamastor, o tal que Eça de Queiroz disse que tinha custado um fortuna e que metia três polegadas de água, nessa viagem que durou quarenta dias, tinham embarcado também alguns marinheiros que viajavam pelo mar pela primeira vez. Saimos de Lisboa para o Sul do Atlântico e no sétimo dia o comandante, combinando a anedota com os oficiais, anunciarem ao  almoço, que dentro de trinta minutos, à uma hora, passaríamos pelo equador, antes da chegada a São Tomé. E, conforme tinha combinado com os oficiais de marinha, estes deveriam chamar todos os marinheiros, pedir silêncio um ou dois minutos antes da uma hora da tarde e nessa altura, deveriam aconselhar a que todos se deveriam agarrar bem às guardas do convés, porque no equador  havia a perda total da gravidade, todos poderiam cair  e  ser arrastados para o mar, ali cheio de tubarões. E assim à uma hora, o comandante anunciou que o toque da sineta anunciaria a passagem pelo equador. E após o toque foi uma risota pegada ver uma data de marinheiros correrem para a amurada e agarrarem-se bem, alguns bem lívidos  e nervosos segurando-se com as duas mãos. Até que a sineta tocou novamente anunciando o fim da passagem pelo equador e o fim do susto sofrido por aqueles novatos.              
           O meu Pai, com grande pesar meu, disse.me adeus e  apontou-me para uma senhora atrás dele, parecia-me ser a minha bisavó Josefa.

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