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sábado, 5 de julho de 2014

Viagem na arca dos espíritos - 10 -

           Quando eu esperava ver a Manoela, minha irmã, surge-me de súbito a minha Mãe, muito sorridente, encostando a sua face à minha, pena de não a sentir, mas soube-me como um beijo que me dava ao se despedir de mim, depois de me deitar, no meu quarto da casa de Portimão, ao lado do quarto dos pais.
               - Alberto, não me deixavam vir alguns dos meus parentes, agora consegui fugir-lhes...
               - Mãe, que gosto, que enorme prazer me dás em ver-te de novo, não te via há quarenta e nove anos, sei que onde estás o tempo não tem sentido, nem importa, mas aqui na Terra sentimos que passa como dantes, se bem te lembras.
                - Alberto gostei imenso dos sonetos que escreveste sobre mim, fizeste-me chorar de saudade, estava precisamente a mostrar o teu livro a alguns dos nossos antepassados e à Maria Fernanda que o apreciou muito, falou-me até do primeiro que escreveste. E soube que a tua previsão que puseste nesse livro, sobre acabar com o dinheiro e erradicar a pobreza, é uma  boa previsão !
                 - E quando se realizará, Mãe?
                 - Isso não te posso dizer, todos aqui estão proibidos de falar aos que ainda cá não estão, sobre o que quer que se vá realizar no futuro. E entre tantos milhões que por aqui andam nem um  único desobedeceu, basta pensarmos em fazer tal coisa que caímos numa branca, como se diz na Terra e desaparece a intenção.
                 - Querida Mãe, não posso deixar de te pedir uma grande desculpa por me ter zangado contigo algumas vezes, ainda por cima sem razão e por motivos fúteis, penso nessas minhas culpas sempre com remorso. E de algumas traquinices minhas como aquela de roubar o dinheiro do mealheiro da tua mãe, da avó Carolina, embora ela me tenha perdoado. Senti que ficaste muito triste por te contarem essa malandrice minha...
                  - Deixa lá, tudo isso deixa de importar, de ter valor ou qualquer significado quando aqui chegamos, todos ficamos a saber, depois de aqui nos instalarmos, que por cá não há castigos para pagar culpas, ficamos nestas paragens a saber que todos somos mais ou menos culpados do que fazem nossos filhos, por isso as culpas anulam-se compreendes? Mudemos de assunto. Sei e tenho visto que tens uns bonitos e bons filhos, netos e bisnetos, então aqueles lá do Chile que maravilhosos! E o teu neto. meu bisneto, o Frederico, que bom caminho que leva, bem não digo mais nada, não quero que me dê uma branca que me impeça de falar mais contigo.
                   - Mãe, continuas a pintar, a cantar tocando ao piano e a dançar, as coisas que mais gostavas de aqui fazer, enquanto te conheci?
                   - Nem podes imaginar quanto! Aqui só podemos criar e mostrar alegrias, se alguém pensa em lançar tristezas cai numa das tais brancas e muda logo a agulha para o divertimento, mesmo os que mais sisudos aí eram. Ocupo-me em todos os momentos a satisfazer pedidos, uns pedem-me retratos, lápis e tintas não me faltam, outros pedem-cantigas, piano e o teu pai à guitarra ou outros acompanhantes, estão sempre dispostos. E os que apreciam, como eu, de dançar, desafiam-me passo a passo.
                   - E ainda te mascaras e ainda intrigas quando te mascaras,Mãe?
                   - É o que mais gosto de fazer e tenho companheiros para essas mascaradas, olha os italianos de Veneza e os gregos da antiga Grécia, são dos que mais me acompanham!
                   - E o Pai, ainda te acompanha muito?
                   - Quase todos os dias, ao piano ou à guitarra e comendo os pasteis de nata que eu lhe faço todos os dias. Nas mascaradas e nas danças, não, nunca apreciou muito isso.
                    - Mãe, julgo que sabes que a tua neta Clarissa, além do emprego que tem, obtém um bom complemento fabricando pasteis de nata, cuja receita diz ter sido segredada por ti...
                    - Claro que fui eu que lhe segredei a receita e, sabes, estão iguais aos que eu fazia. Lembras-te de quando tinhas cinco anos, num baile de beneficência no Pavilhão da Praia da Rocha, andares a vender os pasteis de nata que eu fiz, a cinco tostões cada um  e mascarado de alentejano?
                     - Ainda me lembro, Mãe, como me lembro que comi quase metade dos que levava no tabuleiro...
                     - Um grande beijinho meu querido filho Alberto. Tenho de ir, estas entrevistas são sempre pequenas porque devemos estar em muitos sítios...
           E a minha Mãe desapareceu, atirando-me beijos.                                               

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