Aos onze anos Fernando entrou para o Colégio Militar. O pai levou-o Lisboa. A primeira viagem de comboio, o cheiro amargo a carvão, da fumarada da locomotiva a vapór na estação, o embarque naquele comboio de verdade, em Tunes a carruagem em que íam roubada á locomotiva do comboio por outra doutro comboio, duas horas depois, na Funcheira saiu do comboio com o pai e foram comer uma bifana de porco que um senhor com grandes suiças lhes vendeu e outra maravilha, mais para a frente, saindo do comboio para tomar um barco grande que os levou até desembarcar em Lisboa. O pai mostrou-lhe o caminho que sempre haveria de seguir quando regressasse de férias, outra surpresa, andou pela primeira vez de carro eléctrico, pela primeira vez conheceu o cheiro a gasóleo, do fumo que deitavam os táxis de Lisboa, pela primeira vez dormiu num hotel, pela primeira vez, só com o pai, comeu um almoço num restaurante da baixa lisboeta - olha Fernando este restaurante é aqui conhecido pelo "farta brutos": por dez escudos, o custo de dez jornais, começaram por lhes apresentar uma quantidade de tigelinhas com vários acepipes, que no cardápio do almoço figurava como "acepipes variados". Mais um prato de peixe, mais um de carne, fruta e doce. O pai, bom garfo, comeu de tudo com abundância e incentivou Fernando a não deixar nada no prato servido.
E depois do almoço levou-o, espantado, confuso e atarantado, ao colégio. Apresentou-o ao oficial de serviço e ali o deixou. Surpreso e canhestro, secretamente um pouco magoado, mas resignado, que remédio. Mais tarde compreenderia porque ali ficara, o pai havia-lhe dito que permaneceria internado, o que para mim era chines o de internado ficar.
A vida no colégio, as deslocações para as aulas, para o refeitório, para fora da "companhia militar" onde o inseriram, sempre feitas os passos acertados pelo da frente, em marcha disciplinada e obrigatória, nascendo no seu consciente uma repulsa por tudo o que fosse tropa, sentimento que foi reforçado e constante, em particular após a primeira aula da infantaria, dada por um tenente de mentalidade nazi, que declarou, com ar ameaçador, que indivíduos muito morenos, como ele, Fernando e outro colega, eram seres inferiores. Regressados dum verão tórrido, a sua pele morena, tisnadas com o sol da praia, tinham adquirido o tom da pele dum africano, naturalmente tostada. A inteligência daquele oficial não foi suficiente para uma avaliação mais correcta das suas origens. Para imaginar o caracter desse oficial, basta referir que, mais tarde, frequentando o curso para coronel, foi chumbado nesse curso e, não suportando o facto dum oficial poder ser reprovado, suicidou-se.
Mas o colégio deu-lhe uma razoável preparação intelectual, sem lhe diminuir os impulsos, aumentamdo-lhe o gosto pela vida.
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