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quinta-feira, 1 de março de 2012

Um tio meu, um tio-avò que morreu de saudade

          O meu tio avô Santos,  que casou com a tia Berta, emigrou para o Brasil muito nõvo, num dos últimoa anos do século dezanove. Lá chegou com pouco mais que uma camisa em cima do corpo. Foi de boleia para o inerior do Brasil onde lhe haviam dito que era fácil enriquecer. Depois de um ano a trabalhar numa fazenda dum patrício, foi ainda mais para o interior e construiu, junto a um riacho, uma pequena casa,  com um quarto, uma divisão com um balcão tosco, divisão onde estava também a cozinha, e um armazém de dimensões reduzidas. Alimentava-se de peixe do rio e dalguns outros alimentos que os índios da região lhe traziam e que trocavam por alguns artigos que êle  havia levado para mato. Por isso passou alguma fome durante a construção da casa, pouco mais que uma palhota, de paredes de paus  atados com lianas e tecto de capim. A temperatura na zona era elevada e de pouco necessitava para se agasalhar.
           Mas, poucos dias depois de chegar,  conheceu alguns índios da região, que o observavam com curiosidade crescente, Esse meu tio, pessoa simpática e agradável com toda a gente, segundo me contou, pouco tempo depois de chegar começou a aprender a língua local dos índios. Estes não tardaram a ajudá-lo na construção da palhota, o que éle retribuíu oferecendo-lhes alguns dos poucos artigos que havia levado.
           Segundo me contou, conseguíu convencer alguns indios a que lhe trouxessem um ou outro dos animais que caçavam e ensinou-os a secar a carne desses animais e a secar o peixe, que existia em quantidade durante grande parte do ano mas que não conseguiam pescar na época das grandes chúvas, que se arrastava por cinco ou seis meses. Nesses costumes locais baseou o início do seu comércio e, passado um ano ou pouco mais, tinha o armazém cheio proveniente das trocas que efectuava. Semeou algumas sementes de milho que havia levado e, passados dois anos ensinava os índios a cultivar o milho, a fazer broa e a cozinhar o milho.
             Ao fim  de dez anos no interior do Brasil, tinha a casa  ampliada e o armazém cheio de milho, borracha colhida das árvores  e  carne seca que trocava por diversos artigos na cidade mais próxima, a umas duas centenas de quilómetros da sua pequena fazenda. E ao fim de vinte anos, com trinta e oito anos de idade, possuia uma pequena fortuna em dinheiro e o grande armazém cheio de café e outros produtos da região.
              Sabendo que o café se vendia bem em Portugal e estava barato no Brasil resolveu, morto de saudade, voltar a Portugal, trazendo tudo o que lá tinha. Contratou o transporte para o pôrto mais próximo e conseguiu passagem num barco que partia do Recife.
              Naquele tempo, nos anos vinte  do século passado ainda navegavam barcos mixtos, â vela e a motor, que eram os de transportes mais baratos. Mal aconselhado o meu tio não fez seguro. Seguro que era muito caro para a época: custar-lhe-ia, segundo o informaram um terço da valôr da mercadoria segura. Como pensava regressar, quiz deixar o dinheiro que tinha num banco. Mas era uma época no Brasil conturbada com uma recessão enorme, falências em série dos bancos e companhias de seguros. Pelo que resolveu trocar o que tinha por libras e por produtos do interior, principalmente borracha, nesse tempo ainda com bom preço. E embarcou de regresso a Portugal.
               Mas, numa noite, faltariam dois dias de viagem para chegar a Portugal,  uma tempestade fez naufragar o barco. Acordou com água inundando a camarata do barco. Mal  teve tempo, no meio da tempestade, para subir  ao convés meio estremunhado, conseguindo, a muito custo, entrar num barco salva-vidas, perdendo tudo o que trazia, malas, dinheiro, borracha e café, salvando apenas algumas notas e trocos que trazia nos bolsos das calças e do casaco.
                A tempestade amainou pouco depois e foram salvos no dia seguinte, por outro barco, desembarcando em Lisboa. O tio Santos foi de seguida para  o Algarve, para Lagoa, a sua terra natal.
E com trinta e oito anos conseguiu emprego numa mercearia dum familiar, casando em seguida com a tia Berta, tia da minha Mãe.
                 Mas o meu tio-avô Santos, quando estava com a família ou com outros amigos, não se cansava de contar mil e uma histórias passadas na sua vida no Brasil relatos que, invariavelmente terminavam com a frase "que saudades tenho do Brasil, se pudesse voltava para lá!"
                 Mas nunca mais voltou. E um dia, já êle tinha os seus setenta anos, disse-me:
                         - "Quando eu lá estava, sabes, as saudades que eu tinha de cá, ainda eram maiores  que estas, de lá".
     

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