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sábado, 5 de maio de 2012

Folhetim - Sonho de sorte - 105 -

             Fernando observava com agrado evidente, o rumo que a conversa tomava, as intervenções sucediam-se, sem pausas sonolentas nem desvios inoportunos:
                     - Permite-me Júlia, um pequeno parêntesis, Este  primeiro encontro está decorrendo como desejávamos, surgindo até vários temos para encontros futuros como o do relativo às ocupações de uma mãe, O que agora pretendo realçar é o interesse  que todos temos manifestado no que se diz neste encontro. Continuemos, peço ao doutor Carlos, nosso convidado, não colaborador na FAP, para dizer-nos algo sobre o que pensa do pensamento.
            Carlos ajeitou-se na cadeira:
                     - As grandes realizações, os grandes acontecimentos ou sucessos ocorridos durante a história da humanidade estiveram sempre ligados a homens e mulheres com qualidade e caracteres ímpares, bem marcados. Nos nossos livros de estudantes ou de consulta, aprendemos que eles e elas, para o bem e para o mal, preparavam  as suas estratégias e as suas decisões baseando-as em conhecimentos adquiridos, consultando e reunindo opiniões dos seus amigos ou conselheiros, raramente cedendo a impulsos momentâneos. Portanto, em todos eles, a ponderação, um dos frutos do pensamento, foi a arma que melhor serviu os seus objectivos.
           Duas colaboradoras em serviço no restaurante distribuiram cafés pelos presentes. Aproveitando a pausa provocada, Manuel Guedes disse:
                    - Carlos, a história também nos conta que muitos desses personagens agiram sob impulsos momentâneos!
                    - Sim, é verdade, alguns assim  procederam. Esses, quase sempre foram os que maiores desastres provocaram. Nas nossas vidas tivemos oportunidade de o verificar e até os ´filósofos atenienses o desaconselhavam. As grandes obras, as grandes descobertas, salvo raras excepções, não foram frutos de impulsos, da imprevidência, do desconhecimento. O que me interessa frisar é que, orientar a mente das crianças, dos jovens, para o pensamento deve ser, em minha opinião, o objectivo mais importante do ensino nas escolas primárias, nos liceus, na universidade, o de aprender a estudar e  a pensar. Com lástima verificamos que nada disso parece interessar aos nossos governantes, talvez por mero desleixo, talvez por algum desígnio tenebroso, não creio que por simples ignorância.
                     - Julgo que não parece haver discordâncias. Mas Carlos, diz-me, tens com certeza alguma ideia sobre as bases dessa disciplina, se fosse professor como tentarias despertar e incentivar a arte de pensar nos teus alunos, qual seria o método que usarias para que lhes nascesse o interesse pelas matérias que terias de apresentar e ensinar?
                     - O ponto de partida deveria ser mesmo esse, começar por despertar a atenção e o interesse dos alunos pelo tema a ensinar. Se vou ensinar uma lei da física, deverei apresentar-lhes um exemplo prático, se possível com materiais ou instrumentos que despertem a curiosidade. Tive no liceu, um professor de geografia que obtinha resultados sensacionais na turma a que eu pertencia. Tínhamos então doze, treze anos e, como hoje, era muito difícil um professor conseguir despertar e manter o interesse e a atenção durante os cinquenta minutos da aula. Mas ele conseguia. Começava por exemplo, por nos dizer que olhássemos lá para fora, pelas janelas da sala, o que fazia despertar os mais sonolentos. Depois fazia perguntas,Manuel o que vês ao pé da janela?, Francisco que vês lá fora, à direita, Pedro o que vês mais longe, perto daquela árvore. E nós mencionávamos as ervas, as árvores, os vales, o ribeiro no fundo do vale, a encosta a caminho do rio, o caminho de ferro ao longe, o que estaria por detrás do fim da cidade,. Ele ia indicando os nomes e classificando tudo o que víamos. Nos últimos minutos  da aula, fazia-nos repetir, em resumo, tudo o que havíamos visto e tudo o que nos havia ensinado. Nunca mais me esqueci do que é uma cumeada ou onde está o espinhaço do cão, essa pequena serra do Algarve. Ou um outro professor que nos ensinava físico-química e que, para nos explicar a diferença entre peso e pressão, levou para aula um autoclismo, daqueles antigos, com o depósito lá em cima.
                     - Então nesses tempos só tinham bons professores?
                     - Outros professores empregavam outros métodos na suas aulas, uns melhores, outros piores. O extremo oposto, um professor de história, capitão de infantaria, que lia o livro adoptado, provocando-nos sono e nós dormíamos de olhos abertos. O nosso professor sabia bastante de história mas na pedagogia era um desastre, as aulas dele eram tempo perdido.
           Continuaram as intervenções e, ao fim da primeira hora do encontro, Fernando resumiu o que se disse e propôs:
                     - Não ficou estabelecido tampo limite para as nossas conversas, nem tempo limite para cada tema. Julgo que o interesse dos convidados é que o deverá definir. Hoje a vossa participação excedeu as nossas expectativas, parece-me que devemos continuar com o mesmo tema na próxima vez. Como sabem, umas das próximas iniciativas da FAP é abrir uma escola, começando pelo ensino básico, existindo assim mais uma razão para continuarmos a conversar sobre o pensamento. O doutor Carlos irá prestar-nos uma grande ajuda se elaborar o programa para a disciplina da arte de pensar e estudar. Daremos-lhe uma cópia da gravação do que foi dito neste encontro. Claro que só aceitaremos a sua colaboração se apresentar na FAP a conta dos seus honorários.
            Abandonaram a sala, Laura e Júlia trocando impressões sobre o encontro:
                      - Júlia, não achas que deveríamos convidar mais gente de fora? Jornalistas conhecidos, professores que se interessam pela obra da FAP, políticos, começando pelos que nos criticam, alunos voluntários de diferentes graus de ensino?
                      - Faz uma lista, enviaremos convites. Teremos de estabelecer os próximos temas a debater, descobrir a melhor forma de, aos que convidemos, abrir o apetite pela comparência.
                      - Júlia, os nossos encontros não devem parar, se o número de  participantes for limitado, entre  oito e doze convidados, prevejo que dentro de pouco tempo nos faltem salas para tantas reuniões. Pensaste noutros temas?
                      - No próximo encontro ainda será o mesmo de hoje. A seguir virá, com tínhamos decidido, o da criatividade.
                      - Se vamos tratar o mesmo tema, os participantes não deverão ser os mesmos?
                      - Laura. suspeito que no futuro se repetirá esse problema. No próximo convidaremos os mesmos participantes. Contudo, julgo que ficou bem esclarecido que há inteira liberdade para comparecer ou não, doutra forma não se entende que se façam estes encontros. Se a direcção concordar, eu proponho que nos convites haja sempre um pedido de confirmação da presença do convidado, como é usual anunciar nos convites para os casamentos.
(continua)

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