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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Folhetim - Sonho de sorte - 117 -

                         - Não me diga que não tinha tempo para namoros, com a cultura adquirida  de certeza que as raparigas gostavam muito da sua conversa.
                         - O que mais me agradava na minha juventude era, pode crer, o prazer de conversar. Quando conversava com uma rapariga, não sei se namorava ou não, não sei, não pensava se estaria ou não, a namorar. A doutora sempre que conversava com um rapaz estava a namorar?
               Laura corou provocando um ligeiro sorriso em José Marques e uma gargalhada de Fernando que disse:
                        - Touché, Laura. Mas olha que isto é só uma conversa!
              Não aprecio provocar situações embaraçosas quando ainda mal conheço os meus interlocutares. Po isso abrandei:
                        - Desculpe doutora, eu expressei-me mal.- e Laura aproveitou a deixa:
                        - Sim, sim, eu percebi, não se preocupe...
              Fernando veio em meu auxílio:
                       - Quando conhecer bem esta minha querida amiga verá como é inteligente.
              Percebi a intenção de Fernando e fui na onda:
                       - Estava convencido antes do engenheiro Garcia o dizer!
                       - Vindo da parte de quem é conhecido pela boa avaliação da índole de quem fala consigo, o que me disse é um respeitável elogio. Par o recompensar - possetguiu Laura levantando-se - para o recompensar vou-lhe trazer o café, trago também para vocês?
              O chefe da distribuição, que até aí não dissera uma palavra, parecia corresponder ao que Fernando me dissera sobre ele: sujeito de poucas falas, discreto, sensato, apaziguador, que resolvia com facilidade qualquer situação incómoda que lhe surgia, na sua missão na FAP. Movido pelo bichinho da curiosidade, senti que talvez me faltasse descobrir o mais importante do seu carácter, que não estava mencionado na ficha pessoal (que eu lera antes) nem que se poderia adivinhar nos seus traços fisionómicos. Pus a sonda a trabalhar:
                       - Senhor José Marques, deram-me a conhecer os currículuns de todos os colaboradores da FAP, sei que deixou um emprego mais bem remunerado que este que aqui tem...
              Laura chegara com os cafés. Sentou-se, ouvindo o meu comentário, a que José Marques respondeu:
                       - Na entrevista , como decerto leu no meu curriculum, respondi aenas que aqui me deveria sentir muito melhor. Na altura mais não disse porque sofria os efeitos da pressão, do "stress" acumulado, tomava doses consideráveis de "prozac", solução receitada pelo psiquiatra que consultei em Lisboa. Aqui, tenho menos dinheiro ao fim do mês mas ganhei muito em liberdade de espírito. Felizmente não senti mais necessidade do psiquiatra nem do "prozac". Parece ser cura rara, a desse vício do "prozac".
              Não era tudo, ainda faltava qualquer coisa:
                       - Eu estou convencido que aqui na FAP existe uma atitude e uma mística muito especiais. Desculpe-me se sou indiscreto, senhor José Marques posso perguntar-lhe qual é, para si, a diferença entre esta sua ocupação de agora e o seu emprego anterior?
                       - Não é indiscrição nem segredo. A diferença é essa que referiu: agora tenho uma ocupação, antes tinha trabalhos. Agora faço o que faço por gosto, os resultados que consigo são como vitórias alegres e satisfações que me exaltam, porque reparo no bem que distribuimos, no contentamento dos beneficiados, no progressivo desaparecimento da apatia antes existente, na alegria com que nos recebem. Que sei que é sincera porque todos estão convencidos que nada exigimos em troca.
                Júlia interrompeu a resposta do Marques:
                         - Não há dúvida que sondar a mente humana é uma arte. Espero que o nosso colaborador e historiador da FAP não desvende os meus segredos..
                         - Nem o queria, doutora. Descanse, se um dia o conseguir, prometo-lhe que serei discreto...



                                                                      LIV


                Sentia um desconforto, um certo vazio, uma suspeita, um não sei quê, uma sensação um pouco angustiante, perurbação minha conhecida. Vesti-me no quarto do hotel, entrei na fundação e preparei-me, na biblioteca, para iniciar a tarefa  acordada Mas sentia-me agarrado, contrariado, cá estava o mesmo que doutras vezes Seria ápenas desgosto de menino contrariado, pequenina tristeza hipócrita pela aceitação duma cedência da vontade?
                Sempre que me surge um problema, detesto, irrita-me, exaspera-me que outro ou outra encontre a solução. Surge-me uma reacção negativa, tenho de encontrar uma resolução diferente, não aceito a falha da memória ou do meu raciocínio. Reajo de forma semelhante quando me apresentam uma proposta daquelas que são exibidas como irrecusáveis. Apetecia-me, sem desculpa, não aceitar. A proposta da FAP, parecia-me recheada de condições tão explêndidas, mil contos fora a percentagem nas vendas, sem contrato. Nunca me haviam apresentado condições semelhantes. Muito mais do que o meu trabalho merecia. Todavia, na FAP, a doutora Laura, atirando-me con toda a sua simpatia, louvando a minha arte e gabando alguimas das minhas qualidades - conhecimento decerto fornecido pelo amigo traidor Gabriel - conseguiu que à contrariedade provocada pela proposta se juntasse, sorrateira, a vaidade suficiente para aceitar o que me havia proposto.

                Sem iniciar a obra, regressei ao hotel. A lembrança da visita às instalações e das conversas com os directores contribuiram para a reonciliação comigo próprio. Decidi começar a empreitada. Como é meu hábiro comecei a gizar o esqueleto do livro. Iniciei a obra com alguns aperitivos - visitar as instalações,e conhecer melhor os principais colaboradores da fundação. O passo seguinte: o de descobrir a ideia central. Esse livro não seá, nem poderá ser um romance. Terá de descrever a fundação, o que é, onde se situa, como nasceu, para que serve, a quem serve.
                Terá de conter muito mais, se a tão pouco se linitasse, não passaria de um guia turístico, mais ou menos rico de prosa, fotografias, dados e gráficos. Não. Tem de conter bastante mais, torná-lo tão atractivo como um bom romance, tão divertido como um passatempo agradável. Para se conseguir o objectivo: despertar o interesse do leitor.pela obra da FAP.
                 Cheguei à conclusão julgada mais lógica: terei de conseguir descrever, no livro, o que une toda aquela gente, o que sentem em comum. Que os leva, quase sem excepções e, pelo que nos dizem, a colaborar na obra com uma atitude colectiva que os alheia do cansaço, mental e físico, da indiferença, da apatia. Esta ideia conterá a essência do esqueleto do livro. A minha ocupação principal, antes e durante a escrita, será examinar, confirmar e ligar o que me disserem os colaboradores e os beneficiados.
(continua)       

                              

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