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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Folhetim -Sonho de sorte - 116 -

            Despedimo-nos do arquitecto. Saímos para o terreno junto às fábricas, ocupado com um belo jardim. Canteiros preenchidos com  roseiras, sterlitzias e outras plantas ormamentais. As cores das plantas e das flores do jardim combinavam-se bem com os edifícios das fábricas e dos anexos, pintados de cores verdes e azuis claras. Confesso que não esperava sentir-me tão bem, jinto a um conjunto fabril. Sempre que me vejo no meio ou na proximidade de alguma fábrica, lembro-me como me sentia no Lavradio, nos passados anos cinquenta. Eu, então estudante universitário, com frequencia ia passar os fins de semana na casa de uma prima que ali vivia desde que casara com um medico de CUF, então a companhia proprietária de inúmeras fábricas no Barreiro. A um escasso quilómetro da casa da prima, as fábricas de adubos, de ácido sulfúrico, de rações, etc., expeliam para o ar, pelas inúmeras chaminés, vapores de cores amareladas, acastanhadas e cheiros fétidos que, em dias normais, com ventos de noroeste, empestavam a ar de toda a zona. Lá, junta às fábricas, nem um metro qudrado de jardim, nem uma árvore, nem um canteiro de relva ou de flores.
                        - Engenheiro Garcia - disse-lhe eu - felicito-o pela iniciativa das fábricas aqui montadas e pelo cuidado no arranjo paisagístico dos exteriores!
                        - Olhe, foi reaImente uma boa ideia, um bom exemplo. Tanto que os autrarcas do   município vêem exigindo aos nossos vizinhos industriais,arranjos semelhantes. Diga-me, interessar-lhe-á visitar também as outras fábricas?
               Só via obra bem feita, um desejo de ser agreste moeu-me o juizo:
                        - Aqui para nós, como diz a sentença popular "não há bela sem senão", engenheiro Garvia tem que me mostrar também alguns erros cometidos, iniciativas frustradas, os sucessos dos inimigos contra a FAP. Nem nos vossos jardins são tudo rosas...
               Antes de responder à minha pergunta, Fernando, sorrindo, ficou pensativo por breves instantes:
                        - Doutor Alberto, decerto que temos tido alguns problemas, algumas contrariedades, alguns insucessos. Começo a lembrar-me de alguns, não nos afectaram de forma permanente. Posso afirmar-lhe que o prazer, as alegrias, o júbilo que todos na FAP sentimos por tudo o que aqui se consegue, pelo reconhecimento que todos os dias muitos beneficiados nos demonstram, tudo isso apaga, dilui e esbate quaisquer contratempos ou incómodos. Durante a minha vida, tive uma ou dias épocas em que, ao contrário do que me tem sucedido nos últimos dois anos, tudo me corria mal, não acertava com o pé fora da poça. Então o que me acontecia de bom e agradável, nada representava para mim, tinha o espírito obnubilado pelas azares, pelas dificuldades.
                Senti alguma perturbação pela pergunta que fizera. Sempre gostei de observar, avaliar e descrever numa análise imparcial, as reacções dos indivíduoe aos factos normais ou anómalos que salpicam as suas vidas, sem atngir susceptibilidades. Não insisti, aceitando a resposta de Fernando.
                 Seguimos a caminho doutra fábrica da FAP e cruzámo-nos com um homem que pulberizava com cuidado as dálias num canteiro. Fernando parou e apresentou-nos:
                         - Conheça aqui o nosso jardineiro. o senhor Jesuíno, um dos primeiros colaboradores da FAP.
                O Jesuino retirou a protecção bocal, saudou-me, respondendo a Fernando:
                         - Olhe que é verdade, a doutora Júlia contratou-me há dois anos para a recepção, um dia antes da fundação ser inaugurada. Só no ano passado é que vim para aqui.
                Vi que ele tinha uma certa avidez por conversar e ajudei-o::
                         - Está a tratar estas dálias, têem alguma praga?
                Acertei. Respondeu-me mostrando desagrado com a praga:
                         - São umas malditas de umas lagartas que não nos largam, já vamos no terceiro tratamento com o "folidol"!*
                         - Não deixe de usar a protecção bocal, olhe que esse produto é muito venenoso! Agora temos de o deixar, estamos na hora do almoço - disse-lhe Fetnando, despedindo-se em seguida.
                 Regressámos à FAP. Quando entrávamos no restaurante encontrámos Júlia:
                         - Aqui o meu maridinho foi um bom cicerone?
                         - Doutora Júlia, ainda não apreciei bem essa qualidade do enhenheiro Garcia.
                         - Fernando, tens de explicar e convencer o nosso escritor que à entrada do refeítório acabam-se os títulos e as cerimónias...

* - Insecticida organoclorado, muito venenoso.


         .                                              
                                                                      LIII


                 Na mesa onde almocei sentaram-se, além de Fernando e Júlia, o José Marques, o número um da distribuição, e  Laura, que eu conhecera na minha primeira visita à FAP.
                          - Diga-me gostou de visitar as fábricas?      
                          - Doutora Laura, foi uma volta muito rápida. Devo demorar-me muito mais tempo em cada uma para poder formar uma ideia concreta. O mesmo aliás em relação a todas as pessoas que aqui conheci, exceptuando. claro, o amigo Gabriel, que conheço há muito.
                          - Quer dizer, não faz juizos pricipitados, Nem simpatiza com ninguém à primeira vista...
                Percorri a sala com um olhar breve e respondi-lhe:
                          - Não, doutora Laural Nem nos meus tempos juvenis sofri desses efeitos. Talvez  por me ter viciado a ler desde muito novo. O meu pai tinha uma biblioteca modesta e nos meus onze, doze anos li o que lá havia, de Emílio Salgari, de Júlio Verne, ainda conservo uns doze livros da obra literária desse escritor, encadernados com capa verde, li os dezoito volumes de "Os fenianos".l Lia o que me meprestavam, tudo o que me caía nas mãos, desde Eça de queiroz até ao Pitigrili.
                          - E que lia quando terminou de ler o que tinha a biblioteca do seu pai?
                          - Lia tudo o que aparecesse, lia panfletos que o vento oferecia na rua, lia papeis velhos que encontrava, lia os jornais, se nada mais encontrasse, lia os anúncios, o obituário, os acontecimentos felizes. Nesse tempo os grandes jormais - lá em casa o meu pai comprava muito "O Século" - traziam ás boas notícias  na primeira página e as más nas páginas de dentro. E até me lembro que havia sempre uma coluna, se não erro chamava-se "sucessos", com notícias do género de " esta madrugada a esposa do senhor presidente da câmara de Santarém  deu à luz uma tobusta menina com três quilos. Mãe e filha encontram-se de perfeita saúde".
(continua)

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