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quinta-feira, 24 de maio de 2012

Folhetim - Sonho de sorte - 124 -

                                                             LIX

                 O livro para a fundação ia bem encaminhado. O espírito reinante entre os colaboradores, a entrega destes às tarefas distribuidas, a boa disposição generalizada, a soladiriedade dentro e fora da FAP, confirmavam-se no meu espírito como factos concretos, realidades fundamentais. Nada havia surgido que as abalasse. Estava no entanto insatisfeito, encontrava-me na situação do pesquisador de ouro que não encontra mais que cobre ou ferro. Queria algo mais, que enriquecesse o relato, trouxesse mais emoção, empolgasse quem o lesse. Sem me desviar da verdade, sem misturar fantasia com a realidade, sem deformações provocadas por entusasmos momentâneos.
                Regressei ao sul, passei um dia na praia consultando, relendo e comparando as fichas que reunira. Fichas de muitos colaboradores, de muitos beneficiados e de episódios ocorridoas nos últimos três meses.
               Continuava insatisfeito, o desassossego não me abandova, o travesseiro não me auxiliou, tentei o cinema e a televisão, intensifiquei as conversas e as visitas amigáveis. Nada, nada me provocava novas ideias. Talvez necessitasse de uma ida a Paris ou a Londres, ou sentar-me apenas à beira dum lago, conseguir ficar sereno, relembrar Fernando Pessoa, escutar a quinta sinfonia ou alguns fados cantados pela Amália, talvez apenas contemplar as cores e a beleza de coisas simples...
              Telefonei ao Gabriel avisando-o que chegaria no dia seguinte.Estava a jantar no hotel:
                          - Senhor intelectual, és um faltoso. Olha! Esta semana passaram-se muitas coisas interessantes por aqui. Amanhã não me levanto cedo, não tenho ocupação na FAP. Cá te espero no hotel, convido-te para almoçar.
                          - O magnata dos carros eléctricos começa a ostentar a sua fortuna! - respondi-lhe eu.
                          - Não digas nada a ninguém, vou fugir com a fábrica para o Brasil!
                          - Não te esqueças de trazer de lá os cachuchos de brilhantes.

              No dia seguinte, um sábado,  às dez da manhã um táxi deixou-me no hotel do Dafundo. Li o jornal, o recepcionista contou-ms as últimas anedotas da política nacional, deixei um recado para o Gabriel e fui dar uma volta a pé até à FAP. Quando lá cheguei  vi aparecer no parque um automóvel eléectrico conduzido pelo Fernando:
                          - Procurei-o no hotel, soube que tinha vindo passear por aqui. Se não se importa venha comigo, preciso de lhe falar. Soube pelo Gabriel que virita hoje, desculpe tomar a liberddade de perguntar por si com urgência.                
                          - Não tem importância Fernando, disponha à vontade do meu tempo, não tenho qualquer compromisso a não ser o de almoçar com o Gabriel lá para as duas.
                          - Então, se não se importa, vamos para o meu gabinete aqui na FAP, onde a Júlia nos espera.
               Pela primeira vez, num sábado, entrava na fundação. Respeitavam os fins de semana e as horas de descanso. Só por motivo excepcional saíam dessa regra. O assunto deveria ser importante para que os directores me procurassem com urgência.
               Júlia saudou-me, pôs de lado o "dossier" que estava consultando:
                         - Não sei se o Fernando lhe falou nisto, temos pela frente um grande imbróglio, um grande problema. Imagine o que o governo pretende, soubemo-lo por uma carta recebida ontem. enviada por um grande amigo, assessor da presidência da república. Imagine que querem nacionalizaar esta fundação! Não quisemos telefonar-lhe para o Algarve ontem à noite, porque descobrimos que temos os telefones sob escuta, os da Fap, os nossos e  é provável que também os telemóveis.
                        - Que posso fazer? - perguntei-lhes.
               Pareciam-me bastante alterados, muito nervosos, tensos. Depois de reflectir durante alguns segundos, Fernando acrescentou:
                        - Talvez estejamos a abusar  um pouco da sua bondade. Este aviso  do nosso amigo José Queiroz deixou-nos siderados, não estávamos nem estamos preparados para uma situação destas. É provável que na segunda-feira deparemos com o facto consumado. A legislação que conheemos não prevê nada dista, não conhecemos que tenha sido nacionalisada, em Portugal, alguma fundação. Os advogados do nosso contencioso estão avisados,estão fora, prometeram-nos segunda-feira tratar do assunto. Agora pedimos-lhe a si que nos auxilie porque a sua experiência e o seu conhecimento das pessoas poderá talvez indicar-nos uma solução, um meio de contrariarmos de imediato esta sacanice. Que dlz?
                         - Fernando, também me surpreende essa notícia. Agora... A solução...Talvez seja conveniente seguirem a regra de não guardar segredos, de imediato espalharem a notícia. Se aparecer a confirmação, difundirem a notícia por todos os jornais, rádios, televisões.
                         - Alberto, como poderemos contrariar tais propósitos?
               Não costumo nem aprecio dar conselhos, sugestões, alviltres. Menos ainda quando pressionado pelas circunstancias, pela surpresa. Respondi:
                         - Ainda têem tempo para reflectir. Podemos almoçar juntos, hoje convido-os eu, e em cima dum bom repasto, conversaremos. Posso convidar também o Gahriel, a Laura, o Carlos, se não vêem inconveniente.
               Mais serenos, Fernando e Júlia deixaram-me no hotel, promentendo-me que viriam para o almoço dentro duma hora. Telefonei ao Carlos e à esposa convidando-os para almoçar no hotel, local que me pareceu mais sossegado e adequado que outro qualquer. Carlos, que me atendeu ao telefone, aceitou de imediato:
                        - Alberto, que coincidência, precisamente neste momento sabendo que regressou do Algarve, ia falar-lhe...Aceitamos o seu convite com imenso prazer.
                        - Ainda bem que pode vir. Só não convido também os seus filhos porque iremos falar dum assunto delicado, é provável que já o conheça. Cá os esperamos dentro de uma hora.    


                                                             #####

                  O poder político cega, corrompe. Deforma a realidade.

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