- Mas que importa, toda a gente terá de o pagar na mesma proporção!
- Sim, mas sendo profundamente injusto.
- Porquê?
- Porque custa muito mais ao pobre do que ao rico, pagar mais dez em cada cem, não custará?
- Mas o vosso sistema acaba com a inflação? Como?
- Julgamos poder acabar com a inflação dentro do nosso sistema. Cá dentro, na central de méritos, o papo-seco continuará a custar dez cêntimos de mérito. O que se alterará é o valôr do mérito em escudos, digamos o cambio. Se hoje o mérito vale duzentos escudos e a inflação fôr de dez por cento, o mérito passará a valer duzentos e vinte escudos. Mas não se esqueçam, esta experiência começou agora, tem poucos dias, é por ela que iremos descobrir e ensinar os passos seguintes.
- Senhor director - insistiu o mesmo josnalista, demonstrando muito maior interesse ~posso não ter entendido bem mas parece-me que continuará a existir a mesma inflação fora e dentro do vosso novo sistema e portanto o mesmo imposto injusto.
- Devo ter explicado mal êste ponto. Cada artigo e cada hora de trabalho, cá dentro, terá sempre o mesmo valõr em méritos. Por exemplo, se eu tenho de cobrar uma hora de ocupação na fundação, a central credita-me cinco méritos por essa hora de ocupação. Êsse valor de cinco méritos não sofre alteração com o tempo, permitirá sempre adquirir o mesmo artigo através da central de méritos, ou no exterior na moeda corrente.
- Mas um artigo que custava cem escudos passaria, com a inflação, a custar cento e dez escudos.
- Sim - explicou Fernando - e também o valor do mérito, antes equivalente a duzentos escudos, passaria a ser de duzentos e vinte escudos. E note, dentro do nosso sistema,. o mesmo artigo, se fôr fabricado pela fundação custará sempre o mesmo em materiais e mão de obra, expresso em méritos; os valôres desses materiais e da mão de obra, lá fora, é que variam com a inflação. Aqui reside a grande diferença, o nosso colaborador ganhou um certo valor em méritos, no ano e adquiriu o que quiz adquirir durante o ano, sempre pelo mesmo valor em méritos. Lá fora, fora da fundação, o trabalhador ganha um certo valor em escudos mas, devido à inflação, o valor dos produtos que quer adquirir vai subindo, e só consegue portanto, ao longo do ano, comprar com o mesmo dinheiro uma parte, cada vez menor, dos mesmos produtos que necessitar.- e Fernando prosseguiu - Sugiro que esta vossa entrevista continue no exterior acompanhando um dos nossos colaboradores na distribuição, o que sempre aconselho a quem nos visita. Porém terá de ser efectuada de manhã pelo que vos aconselho, se estão interessados, que marquem na secretaria uma data e hora para a vossa entrevista no exterior.
- Teremos de falar primeiro com o director do nosso jormal.
- A vossa entrevista de hoje não ficaria completa se não conhecessem o doutor Manuel Guedes, subdirector desta fundação e que controla a nossa actividade no exterior.
Pelo intercomunicador Fernando ligou para o Guedes:
- Doutor Manuel Guedes, estão aqui dois jornalistas numa entrevista nesta manhã. Aconselhei-os a falar cosigo, será possível recebê-los agora? - Fernando escutou a resposta e disse: Muito bem, êles irão ao seu gabinete dentro de cinco minutos, a Maria dos Anjos acompanha-os.
Fernando despediu-se dos jornalistas e, por sua vez, dirigiu-se ao gabinete de Júlia que, nesse momento dava instruções a uma das dactilógrafas.
- Júlia, tens uns minutos disponíveis? Não posso esquecer-me do que a entrevista com aqueles dois jornalistas me sugeriu..
- Terminei, Fernando, vamos a isso.
Fernando, depois de se sentar frente a Júlia, pensou durante poucos segundos e disse:
- Que achas de conversarmos com mais gente sobre a FAP?
- Com quem mais sugeres?
- Além do Carlos e de quem nos tem visitado ou quem visitámos, desde o dia do início da FAP e até hoje, não falámos com mais ninguém, sobre a fundação.
Júlia, um pouco impaciente e sarcástica, disse:
- Que sugeres, que organizemos uns chás dançantes?
- Olha que talvez não seja má ideia, podemos pensar nisso para variar um pouco as nossa ocupações. Mas o que quero propôr é muito diferente embora também envolva o nosso convívio com outs pessoas. É o seguinte: tenho sentido a necessidade de discutir um pouco com gente deferente.
Júlia interrompeu, irónica:
- Já sei está saturado do meu palavreado, procuras novos horizontes...
- Isso é uma injustiça- Deixa-me continuar. Resumindo: a minha proposta é que fundemos, que iniciemos aqui na FAP, um centro de colóquios, que poderíamos chamr centro de cultura, opinião e criatividade. Haverá uima biblioteca, para a qual temos algumas prateleiras cheias, iniciar-se-iam convívios com gente de interesse, intelectuais ou não, uma vez por mês. Cadeiras, sofás para os mais cansados, um bar para os mais sedentos e temas não obrigados para discussão e análise. Que opinas? - Júlia com o mesmo sorriso que cativara Fernando antes de namorarem, procurou amenizar a agressividade anterior dizendo:
- Eu sei bem do que o meu marido é capaz, tem ideias esplêndidas e essa é uma delas, concordo, vamos levá-la para a frente! Porque gostas muito de siglas, podemos apelidar o centro de cultura com a abreviatura CLOC...
- Esperava que concordasses, poderíamos pensar na data de inauguração do centro e na lista de convites para o primeiro encontro. Antes, talvez devamos começar por um encontro com colaboradores da FAP, no próximo sábado, poderias redigir um panfleto de convite para a primeira reunião.
- E quem pensas convidar sem ferir susceptibilidades?
- Além da Laura, Carlos, do Manuel Guedes e nós, penso que não devemos convidar mais de quatro colaboradores que poderão ser escolhjidos por ordem de inscrição ou pelo processo de orfem alfabética dos nomes próprios, procurando, como referiste, não causar melindres nem mal entendidos.
- No panfleto ou na circular de anúncio do encontro procurarei frisar que os convidados serão escolhidos da forma que indicaste.
- Em vista do expôsto, como dizia o meu antigo chefe lá na fábrica, vamos para casa, espero que a Lúcia nos tenha feito um jantar que sacie esta fome de leão.
- Vai andando, leão, para o parque, eu vou ao infantário, espero que a Carolina não esteja já a protestar com fome.
XLV
O Outono decorria agreste, com um princípio de Novembro desagradável, muito frio e a típica chuava llisboetra, miudinha, constante, infiltrando-se nas "gabardines" mais impermeáveis, irritando os automobilistas, acelerando o andar dos imprevidentes sem guarda-chuvas.
Quando chegaram a casa, os filhos ainda lanchavam e descreviam acaloradamente as peripécias ocorridas na viagem de regresso a casa. Segundo diziam, um carteirista tinha sido caçado no autocarro. Entrara momentes antes, quando as portas do autocarro se fechavam, na paragem anterior. Um polícia à paisana, que o vinha seguindo, ainda conseguiu entrar e gerou-se grande confusão lá dentro.
- Oh pai, se visses os encontrões que o carteirista dava a toda a gente!
- Eu até fui parar ao chão! - contou o Francisco, acrescentando muito depressa - mas, com os gritos do polícia, o condutor, que não sabia que êle era polícia, parou o autocarro na paragem seguite, o carteirista quase que se escapava, mas mesmo à porta o polícia deitou-lhe a mão ao gasganete, atirou-o para baixo, o tipo levantou-se e fugiu que nem um raio e, já na rua, o polícia á paisana fez-lhe uma placagem como aquelas que vemos na televisão os jogadores de "rugby" fazer!
- Aí está um bom tema para a nossa conversa depois so jantar, os roubos feitos pelos carteiristas - disse Fernando.
- Ah! Pensava que o tema iria ser sobre o "rugby".
(continua)
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