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quarta-feira, 9 de maio de 2012
Folhetim - Sonho de sorte - 109 -
Passadas duas semanas, aquela fundação não era mais que uma vaga reminiscência.
Na quarta-feira de manhã, Gabriel voltou a telefonar-me da cidade alfobre de tantos ilustres doutores.
- Caríssimo, sei que estás aí no Algarve gozando um belo sol de Maio neste Outubro. Mas se ainda queres ir fazer a tua pesrquisa na fundação, amanhã, às onze da manhã, tenho que me apresentar, para aceitar o meu novo emprego. Podes ir esta tarde para o hotel no Dafundo, sabes onde é, já lá estiveste. Vou esta manhã para Lisboa, quando chegar posso reservar-te um quarto.
Pensei durante poucos segundos. Não tendo compromissos para os dias seguintes, respoindi-lhe:
- Como de costume apanhaste-me de surpresa, sem prefácios nem intróitos. Mas aceito, já decidi, vou no alfa da tarde, aí pelas seis e meia chegarei ao hotel. Talvez seja melhor qoe avises os teus novos patrões do visitante que te irá acompanhar, diz-lhes que eu sou um tipo assim, assim e os restantes elogios que não - disse-lhe frizando bem o não - costumas conceder a este teu amigo.
No dia seguinte tomámos o pequeno almoço no hotel. Atrasámo-nos. O Gabriel avisou-me: atrasei-me de propósito, sempre quero ver se aquela senhora me dá o mesmo raspanete que lhe daria, se estivesse no seu lugar.
Gabriel, bem situado na condição de reformado, permitia-se algumas liberdades que, ninguém prejudicando, satisfizessem os seus acessos de humorismo.
A recepção da fundação coomunicou a nossa chegada e um minuto depois, a doutora Laura apresentou-se. Magra, de feições suaves, irradiando simpatia, de compostura impecável e maneira persuasiva de comunicar, disse-me , com firmeza inesperada:
- A nossa secretária da administração, a Maria dos Anjos, acompanhará o senhor à biblioteca onde poderá informar-se de tudo o que desejar sobre a FAP, a nossa fundação. Entretanto vai permitir que o senhor Gabriel me acompanhe para tratarmos dos pormenores relativos à sua admissão na FAP.
Durante duas horas li a extensa documentação que me facultaram, o relato completa da FAP, desde o seu início. A senhora secretária Maria dos Anjos, voltou a aparecer e convidou-me para um café, no refeitório, onde observei a eficiência do sistema de pagamentos e recebimentos. Voltei à biblioteca onde me entretive com diversas publicações e documentos do arquivo à minha disposição, tomando notas das respostas às dúvidas que me surgiam.
À uma hora da tarde apareceram dois casais que reconheci - eram os nossos vizinhos no restaurante, no dia anterior - e o Gabriel. Convidaram-me para o almoço, após as apresentações da praxe. Servimo-nos, transportamos as bandejas, pagaram sem dinheiro e sentámo-nos a duas mesas unidas. Júlia sempre sorridente comentou:
- Gostámos de ler alguns dos livros que escreveu, esperamos que um dia possa escrever um sobre esta fundação.
Não me agrada que me sugiram temas para o que possa escrever, invade-me sempre uma certa reserva não isenta de suspeição, que me conduz a uma recusa delicada. Tento, nessas ocasiões, definir-me bem. Pelo que respondi:
- Talvez um dia o faça, mas tenho trabalho para alguns meses que não devo dispersar com outros que me possam tentar.
Sem comentários à minha resposta, derivaram a conversa para as generalidade usuais, sem referências às actividade da FAP. O Gabriel, quando tomávamos o café, avisou-me:
- Reparaste que nenhum de nós falou o que quer que fosse sobre a fundação? É uma norma daqui, que considero exemplar ? - E Júlia, atenta, acrescentou:
- É uma norma que todos seguimos e que consideramos salutar, no refeitório bem como fora do tempo das nossas ocupações.
- Entendo - respondi-lhe - também não me agrada, em reunião de amigos falar do que estou escrevendo. Não calculam a insistência incõmoda e até por vezes deselegante que tenho de suportar.
- Sei que tem concedido algumas entrevistas.
- Sim, doutora Júlia, mas é diferente, a tanto não me nego embora, em geral não me agradem.
Ainda trocamos algumas banalidades e despedi-me dos directores. Gabriel, acompanhou-me até à saida:
- Aqui te deixo, agora tenho esta ocupaçao. Depois falaremos sobre tudo isto.
Trouxera o portatil para o hotel. Quase sempre me acompanhava, para aproveitar os momentos disponíveis. E nessa tarde, regressei ao convívio relaxante dos meus personagens, desenvolvendo as tramas engendradas, sem esquecer os promenores enriquecedores das cenas relatadas. Porém, nessa tarde, com frequência deixei o convívio do romance para relembrar e pensar no que me acontecera durante o dia, nalguma situação anómala em que me metera ou num facto inesperado que prendera a minha atenção. Sentia curiosidade pela fundação, pelo emprego do Gabriel, relembrava a visita que fizera, o almoço, distraindo o espírito nessa hora da tarde. Beberricando um refresco na esplanada do hotel, fui descrevendo, nalgumas folhas A4, as impressões colhidas.
Pouco depois das seis da tarde o Gabriel regressou. Gesticulou-me alegremente à chegada, vinha eufórico, tinha o mesmo ar orgulhoso e sorridente, semelhante ao que, quarenta anos atrás, ostentava, quando aparecia de braço dado com a nova namorada:
- Trago muito para te contar - e pousou à nossa frente um volumoso "dossier" verde - se tiveres interesse podes ler tudo isto, que diz respeito à minha nova profissão. Imaginas qual seja?
- Trabalho ligado à mecânica..
- Upa, upa! Estou nomeado chefe dos mecânicos da fundação.
- Precisam dum chefe para os poucos mecânicos que lá trabalham?
- Que lá se ocupam, menino, que lá se ocupam! A palavra trabalho apenas a empregam para as acividades de estranhos, fora da fundação. Ali toda a gente e até eu, habituamo-nos a designar por ocupação tudo o que fazemos...
- Que rica vida vais levar, adirigir dois ou três trabalhadors digo, colaboradores. Tu, coronel, habituado a comandar batalhões!
(continua)
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