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quinta-feira, 10 de maio de 2012

Folhetim - Sonho de sorte - 110 -

                              - Vou explicar, se quiseres ler essas folhas, melhor compreenderás.
                              - Gabriel, não sei se terei tempo e paciencia para ler tudo isto- disse-lhe, folheando o "dossier" que me entregara.
                              - Resumindo, o que se passa é o seguinte.Além das fábricas de pão, texteis e confecções que estão a funcionar, a fábrica seguinte será uma fábrica de veículos eléctricos. Para essa prevêem  contratar mais vinte mecânicos além dos que colaboram agora na FAP.
                              - Dessa forma terás ocupação de sobra, fiscalizar vinte e cinco mecânicos talvez seja mais difícil que comandar um batalhão na tropa. Suponho que visitaste o edifício onde irão instalar essa fábrica.
                              - Sim, o engenheiro Fernando Garcia, um dos directores, é quem dirige todas as fábricas da FAP. Será portanto, o meu chefe. Parece que nos entendemos bem, começou por me esclarecer que na FAP não há segredos. Mesmo os segredos ligados à nossa investigação são do conheciimento dos colaboradores que se ocupam na especialidade investigada logo que as patentes são registadas.
                              - Ah! E quanto te pagarão pela colaboração, és pouco mais que um jovem...
                              - Tendo o horário normal de trinta e cinco horas, sete por dia de segunda a sexta, a doutora Laura propôs-me mil e quinhentos méritos no período experimental de seis meses. Ao fim de um ano de colaboração as condições poderão ser alteradas. As refeições terão o custa de dois méritos, custo que é igual para todos os colaboradores e  de quatro méritos para os convidados ou estranhos.Todas as horas extraordinárias pagas de acordo com a lei.
                               - E aceitaste tudo?
                               - Claro! Os mil e quinhentos méritos fazem-me jeito e a colaboração ainda mais. Se não aguentar, ninguém me mata!
                               - Desde que gostes...
                               - Olha, tu conheces-me, não tenho disposição nem feitio para uma profissão de sentado quase todo o dia...Talvez um dia, como tu, me disponha a escrever, tenho material para mais de um livro.Sinto uma necessidade  infernal de uma actividade  fora das cadeiras, sem rabo sentado, ainda que, como sabes, goste muito de conversar. Deixo as escrituras para depois dos noventa  ou talvez mais, imitando o realizador Manoel de Oliveira. E aponta mais uma curiosidade, a fundação tem um registo, dia a dia, de tudo o que fazem. Uma das coisas que a doutora Laura me pediu foi que sempre que se passasse algo de extraordinãrio, algum facto insólito ou que eu presenciasse o que quer que julgasse anormal, deixasse uma pequena nota na secretaria, contribuição para a história da fundação.

                   Enquanto o Gabriel me relatava, entusismado, as peripécias do seu primeiro dia de tragalho na FAP, como um caloiro no primeiro dia da universidade, Júlia e Fernando regressavam a casa conversando:
                               - Júlia, o nosso novo colaborador, parece-me um individuo são, bem intencionado, não dá nada a ideia de ser um coronel relformado. Quem diria que um homem com oitenta anos viria colaborar na FAP?
                               - Fernando, a Laura é muito exigente, não ceio que o admitisse e tanto instasse, dada a idade dele, que abríssemos uma excepção, se a entrevista provasse que o homem não tem as qualidades exigidas.
                                - Posso enganar-me. Mas o modo como me acompanhou, os comentários que fez sempre que observávamos qualquer trabalho, a atenção que prestou ao projecto da nova fábrica na sala de projectos e o trato afável, mas firme, quando falou com diversos colaboradores, aceitando as respostas às perguntas que lhes fazia sem demonstrar superioridade, desinteresse ou sobranceria, tudo isso me leva a crer que podemos contar com um bom colaborador. Ainda que,por vezes, Júlia, me digas que eu acredito demais nas pessoas... Além disso constituirá também uma óptima experiência para o futuro, ao demonstrar que muita experiência pode ser desprezada quando nos vergamos e atendemos ao tabu da idade.
                                - Bem, estamos a fugir à regra...A fundação ficou para trás, temos em casa as nossas poltronas para nos sentarmos e conversar.

                  Na biblioteca e nos arquivos da FAP foi-me possível conhecer o perfil e o currículum de cada colaborador, desde os dos directores aos  dos encarregados  da limpeza. A curiosidade que sinto pela natureza humana, sempre que a possa satisfazer sem ser indiscreto ou ferir susceptibilidades, faz-me entrar em pesquisas agradáveis de seguir, confrontando os juizos por vezes ligeiros com a realidade, não raro bem mais chocante ou imprevista.
                 Fiquei intrigado com a actividade desenvolvida pelos dois directores, fundadores da FAP. Segundo os seus curriculuns, haviam abandonado bons empregos para iniciar a fundação.
                 Não menos estranheza senti ao verificar que as receitas da FAP resultavam em exclusivo de financiamentos extraodinários provenientes de prémios ganhos pelo casal em jogos e lotariasl Eu não entendi, custava-me aceitar tanta sorte e benemerência gratuita, precedida do abandono e sacrifício dos seus empregos anteriores. Assim rezava a história da fundação, história aliás que quase todos os dias vem sendo divulgada nos jornais, revistas e estações de televisão.
                 Duas semanas depois de regressar à minha casa no Algarve, recebi um telefonema da Maria dos Anjos, a eficiente  secretária da direcção da FAP. Disse-me  que me convidavam para uma entrevista. logo que possível. Não me soube dizer o motivo, em seguida me enviariam por e-mail o bilhete de avião.
                 Telefonei de imediato ao Gabriel:
                                  - Sabes o que me querem propor? Seja trabalho, seja ocupação, não acho possível.
                                  - Parece-me que sei, mais ou menos, do que se trata, mas não tenho bem a certeza, não quero induzir-te em erro. Estou convencido que até vais gostar. Ontem ao almoço fiquei na mesa deles, convidaram-me dizendo que é norma convidar os novos colaboradores alguns dias após a sua chegada. Perguntaram-me por ti e disseram-me que te iriam propor uma colaboração.
                                  - Deverias pensar e saber que não vou aceitar.
                                  - Espera, espera! Peguntaram-me se tu poderias, sem horários nem prazos estabelecidos, escrever um livro, uma publicação, não para propaganda mas como um meio de divulgação  do que ali se faz e, repito-te o que me disseram, descrevendo tudo o que a FAP poderá ainda fazer, em apoios e benefícios.
                                  - E que respondeste tu?
(continua)                

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