- Nesta nova linha montámos os primeiros automóveis eléctricos portugueses, embora com alguns coomponentes importados.
- Gabriel, vai colaborar! - disse-lhe eu, sorrindo. - Deixa-me falar com os teus colaboradores.!
Dirigi-me para um dos qautos em construção, onde um dos mecânicos montava o motor do carro enquanto o seu ajudante se ocupava noutra zona debaixo do carro.
Passados um ou dois minutos, o mecânico, parecendo haver terminado a tarefa, veio para o meu lado:
- Bom dia. suponho que me conhece.
- Sim, sim, é o doutor Alberto, vai escrever a história da FAP. Eu e sou o Manuel Antunes, mecânico aqui na fábrica.
O Antunes fora contratado por recomendação do Gabriel que o conhecera na oficina em Lisboa onde, anos antes, fazia as revisões dum automóvel que o Gabriel tivera. Indivíduo aprumado, conhecido na fundação pelo feitio discreto, recatado, colaborador eficiente e activo, de ideias bastante inovadoras. Conhecedor do seu carácter, perguntei-lhe:
- Senhor Antunes, sei que gosta de estar aqui, Aqui ganha mais? É pelo seu ordenado?
- Não, doutor. Olhe eu eu lá naquela oficina onde me conheceu havia meses que ganhava muito mais. Não, doutorl. O Gabriel um dia falou-me na fundação, se queria empregar-me aqui. Sem deixar a oficina, vim à entrevista, o Gabriel falou-me no projecto desta fábrica, gostei e troquei de emprego.
- Aceitou assim, sem mais nem menos, sujeito a não se dar bem?
- Eu conhecia o Gabriel, conhecia-o nessa altura como o coronel Gabriel, e sempre me pareceu uma pessoa em quem se pode confiar. Mas, pelo sim, pelo não, vim para cá quando entrei de férias, tomei esse cuidado. Ao fim de dois dias aqui, nem me lembrei mais da oficina.
- Senhor Antunes pode explicar-me porque se entusiasmou tão depressa neste novo emprego?
- Olhe, doutor, falei com os alguns colegas que aqui trabalham, falei com outras pessoas que então trabalhavam na fábrica do pão e das massas. Ao fim de dois dias não precisei de mais nada para me decidir a vir para cá.
O Antunes parecia-me sincero, natural e franco, tal e qual como Gabriel referira. Reparando que ele olhava e tornava a olhar para o carro onde antes se ocupava, disse-lhe:
- Estou-lhe tomando tempo desiado, apenas mais uma pegunta: que pensa para o seu futuro na sua profissão, aqui ou lá fora? - e sem grande hesitação, respondeu:
- Olhe, doutor, se quer que lhe diga, nem pensei nisso?
Não queria destrai-lo mais da sua tarefa, despedi-me e dirigi-me a um ajudante de mecânico que se dedicava, na outra linha de montagem, à adaptação de um motor eléctrico num automóvel usado. Falei para o mecânico:
- Não se importa que eu fale um ou dois minutos com o seu ajudante?
- Senhor doutor o Manuel está lá debaixo a verificar os amortecedores - e, virando-se para debaixo do carro avisou o ajudante - Oh Manuel, quando acabares de ver esses amortecedores, vem aqui falar com o doutor!
Pouco esperei. O Manuel saíu de debaixo do carro, puxou a plataforma de madeira onde antes estivera deitado.
- Bom dia senhor doutor.
Deparei com um môço alto, teria talvez vinte ou vinte e dois anos, de feições e corpo magros, alourado, cabelo quase "à escovinha", vestindo o macaco da praxe, bem limpo e asseado.
- Bom dia senhor Manuel, desde quando está aqui?
- Estou aqui vai para dois meses.
- É o seu primeiro emprego?
- Não, senhor doutor, antes trabalhei numa oficina em Sacavém, durante quase ano e meio.
- E porque veio para cá, pode-me dizer?
- Vi o anúncio num jornal, vim à entrevista, admitiram-me.
- Aceitou logo, porquê?
- O senhor doutor sabe como às vezes ainda tratam os ajudantes nas oficinas, apesar da revolução e dos sindicatos. Foi a minha primeira opotunidade para sair e mudar, aproveitei logo.
- Agora, Manuel, dá-se bem aqui?
- Dou-me bem com toda a gente, quando eu contei lá fora aos meus amigos como aqui nos tratam, quiseram todos ser entrevistados pela FAP, dois deles já cá estão, olhe, esse que vê no carro aí à frente, é um deles. A gente aqui pode falar, cada quinze dias temos uma reunião com outros colegas, podemos dizer o que quisermos.
Ainda falei com mais três mecãnicos e ajudantes e saí.
A fábrica de pão e de massas alimentícias da FAP ficava perto. Fui a pé até lá. O gerente chefe da fábrica, ao avistar-me, saudou-me e convidou-me a entrar no seu escritório. Manifestei-lhe o desejo de falar com alguns dos colaboradores.
- Doutor, esteja à sua vontade, estamos aqui dez colaboradores e, brevemente, com a nova maquinaria a instalar, seremos dezanove ou vinte. Interessa-lhe conhecer o que fabricamos, as nossas estatísticas?
- Senhor Rafael, interessa-me falar com alguns dos colaboradores, se não perturbar o andamento dos vossos trabalhos.
- Não há problema doutor, este pessoal está habituado a ser entrevistado, pode dirigir-se a qualquer um. Por norma eu acompanho as visitas mas o senhor não é uma visita, é também um dos nossos. Por isso vou deixá-lo, se precisar de mim chame-me pelo intercomunicador que esteja mais perto de si, se faz favor.
Estivera na fábrica de pão pouco depois de começar a recolher dados para o livro que contratei com a FAP. Conhecera então o Rafael, De quem o Fernando me dera muito boas referênciasl Indivíduo activo, bem disposto, dos melhores colaborantes contratados pela fundação, com a formação dum curso de engenharia técnica. Desde os seus primeiros dias na FAP demonstrou qualidades notáveis de iniciativa, criatividade e camaradagem, de diplomacis e de bons exemplos.
(continua)
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