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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Folhetim - Sonho de sorte - 123 -

                                                                     LVIII


             No primeiro domingo do século XXI aceitei o convite de Fernando para almoçar, no restaurante perto do hotel onde estava hospedado. Quando lá cheguei, Fernando e Júlia estavam acompanhados por Laura e por Carlos, seu marido, que me foi apresentado por Laura.
                        - Carloa, o doutor Alberto é o escritor que está escrevendo o livro para a FAP.
            Prosseguimos no ritual costumeiro das apresentações e sentámo-nos. Passados os momentos de algum embaraço ou hesitação que sempre se seguem às apresentações, Fernando restabeleceu a comunicação:
                       - Carlos, temos mais um amigo comum. O Alberto tem gostro pelas artes, pela músuca, por um bom prato e pot um bom vinho. Gosta de história e tem conhecimentos de economia que com frequência embaraçam os teus colegas.
            Júlia, sem reagir à ironia do marido, acrescentou:
                       - Carlos, o doutor Alberto é sereno na resposta, agudo na apreciação do carácter, perdulário no tempo da conversação.
           O empregado de mesa entregou a ementa a Júlia e Fernando continuou a informar:
                       - O nosso amigo Carlos é um economista proprietário, com o seu pai, de uma editora e tipografia, poderá editar o seu livro. O Alberto tenha cuidado, este tipo, numa discussão, é como os cãis de raça "pelo de arame", pegando não larga, tendo razão só cede por desprezo, se o oponente é inimigo e covarde. No fundo, é bom tipo, tem as suas manias, mas é uma boa alma.
           Carlos petiscando num queijo fresco encolheu os ombros e disse, encarando.me:
                      - Não ligue, doutor Alberto, são meus amigos, logo são suspeitos. Quem tem autoridade para me avaliar é o doutor...
                     - Carlos, por favor esqueça o título, esqueça o doutor...
                     - Já esqueci, já esqueci. Eu também detesto os títulos. Vivia um senhor na minha terra de nome próprio José que não admitia que o tratassem por senhor José, dizia sempre "senhor José, não! Senhor dom José!" E isto porque um bisavô dele, alfaiate de profissão, ofereceu ao rei dois fatos e o rei, reconhecido, nomeou-o visconde! Alberto, conte-me um pouco do livro que está escrevendo sobre a FAP, isto é pura curiosidade...
               Tentei seaber se seria só curiosidade, se não entraria na categoria de indiscrição:
                     - Diga-me Carlos, que lhe interessa saber do livro?
               A pergunta não me pareceu incomodá-lo:
                     - Bem, Alberto, todos os livros que conheci, encomendados por empresas, pouco interesse têem, alguns com boas reportagens fotográficas e no resto, propaganda.
                     - Além duma provável foto na capa, essa terá de ser muito especial, a prosa irá revelar uma análise possuindo um pouco de economia, menos ainda de estatísticas e nada de biografias ou louvores a qualquer colaborador, seja um contínuo, seja um director - disse-lhe.
                     - Agora sim, despertou-me curiosidade!
                     - Espero que o Carlos seja o editor, será o primeiro a desvendar o mistério, se ninguém lho contar antes. Aliás diversos escritores guardam segredo  dos enredos dos seus romances... Questão talvez de ciúmes, do gosto pela posse ou ainda porque chegam a pensar e convencer-se que um livro, com aura de mistério, terá melhor venda. Esta últiima hipótese deve ser rara, pelo menos a mim não se aplica, só aceito escrever um livro como um desafio. Gosto do que me pagam, seria hipócrita se dissesse o contrário. Porém, nunca escrecerei um livro por contrato a tanto por linha. Se me agrada o desafio, até escrevo de graça.
            Carlo escutara bem atento o que eu lhe dissera. Em jeito de continuação, acrescentou:
                      - Apareceu-me um dia, na editora, um sujeito desconhecido, com um manuscrito, pedindo-nos que o publicássemos. Disse-lhe que só o poderíamos publicar se primeiro lêssemos o manuscrito, douta forma nada feito. O homem hesitou mas acabou por concordar, pagou até a edição por adiantado, depois que a aprovámos. Sabe Alberto, o que aconteceu depois? Imagine que o homem exigiu acompanhar a edição, folha a folha, encadernação e acabamentos finais, contando os mil exemplares da edição e exilgindo-nos no fim uma declaração de que não imprimiríamos nem mais um exemplar sem a sua autorização!
                       - Mas afinal, sempre editaram o livro?
                       - Permitimos que o homem acompanhasse todo o trabalho da edição.
            Eu nunca entrara numa tipografia, poucas vezes numa editora, sentia o mesmo desejo que sempre sentia perante o desconhecido.Procurava não atingir as raias da indiscrição mas pouco resistia ao desejo de fazer perguntas, como qualquer criança de mente aberta, sensível e acessível a tudo o que ignora:
                       - Carlos, em quanto tempo consegue editar um livro?
                       - Depende dos contratos ou compromissos que temos. Do princípio ao fim, sem interrupções inesperadas, um livro médio, de duzentas a trezentas páginas, poderá não tardar mais que três ou quatro dias.
                       - Conseguem completar e entregar um livro num prazo tão curto?
                       - Conseguimos.
                       - E imprimem sempre a partir dum texto original escrito à máquina ou no computador, coompleto e revisto?
                       - Nem sempre. Por norma fazemos sempre uma revisão, com frequência aparecem muitos erros, duplicações, palavras desnecessárias, defeitos na sintaxe. Os erros corrigiimo-los, alterações ao escrito original propomo-las ao autor. A editora dos seus livros não procede assim? Para esse trabalho de revisão colabora connosco, a tempo inteiro,  uma senhora formada em letras. Olhe, se estiver interessado no emçprego, essa senhora anunciou-nos  que irá despedir-se dentro de dois meses...
                       - Se me conhecesse um pouco melhor saberia a resposta. Gosto muito de ler mas sós os livros que escolho. Tal com não gosto de beber um vinho por obrigação. Posso prová-lo, mas se não gosto, não o bebo. Posso folhear um livro desconhecido, dum autor desconhecido, ler algumas linhas. Quando me oferecem um livro sinto sempre o impulso de correr à livraria para o trocar. o que por vezes é impossível, por exemplo se traz uma dedicatória. Que pode ser sincera mas que sempre me arrelia por aquele motivo, não o poder trocar. Sou bastante crescido e independente para recusar vinhos ou livros. Eo Carlos, lê tudo o que lhe oferecem?
                       - Reconheço que sou incapaz de recusar uma oferta de um vinho ou de um livro, espero que um dia eu consiga proceder como o Alberto. Em geral os autrores dos livros que editamos oferecem-me um com a costumada dedicatória e embaraça-me muito quando o escritor me pede uma opinião ou uma crítica - disse Carlos.
                       - Se o livro não lhe agrada, o que responde?
                       - Não consigo ser directo, dizer o que sinto, não pelo reeceio de perder um cliente ou um bom autor. Sabe tão bem ou melhor do que eu que todos os autores nem sempre escrevem bons livros. Editam-se livros medíocres de escritores contemplados com um Nobel, por vezes tão maus que apenas se editam após a sua morte. A editora sabe que um livro com a referência na capa do prémio Nobel  venderá sempre uns milhares de exemplares. É Nobel? Compra-se, fica bem na biblioteca.
                       - Carlos, diga-me, gosta do que faz na editora?
                       - Muito. Depois do que lhe disse, compreeendo a sua pergunta. Como em quase todas as empresas familliares, os patrões são para toda a obra...
               Carlos sorriu para os outros companheiros na mesa. Tinham acompanhado sem interrupções a conversa do Carlos comigo.             
               







            
                      
      

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