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domingo, 27 de maio de 2012

Folhetim - Sonho de sorte - 127 -

             Eu gizara o projecto do livro para a FAP. Em letras maiúsculas, no topo da primeira página, esvrevi em letras verdes e bem gordas: "nada de fotos nada de descrições tediosas de edifícios, de máquinas, de objectos materiais. Muito sobre o que vai na cabeça das pessoas, do que pensam, do que especulam,, do que desejam".              Relatando as surpresas que a sorte proporcionou ao casal fundador da FAP, engendrei personatens de carácteres semelhantes aos que na realidade participavam na acção da FAP. Personagens que não existiam, nunca é possível definir completamente o carácter de qualquer pessoa viva, mesmo a mais amiga, a mais íntima, a mais confidente. No dia seguinte pode ser diferente, mais susceptível, mais instável, mais perversa ou mais bondosa. Pode ser descoberto algo que a modificou, o travesseiro pode trazer-lhe mais sensatez, um azar mais inquietação, a sorte mais audácia.
             Continuava a escrever na página à minha frente quando o Gabriel chegou, anunciando-me a vinda dos casais nossos amigos.Mal nos sentámos, Júlia explicou o motivo da visita:
                        - Resolvemos vir cá para conversarmos um pouco....
              Percebendo a hesitação de Júlia, convidei-os:
                        - Fiquem todos para jantar e suportar mais uma cez as nossas discussões!
               Apareceu o chefe de mesas do restaurante e, distribuindo "menus",  disse:
                        - Senhor Gabriel, êstes senhores vão jantar?
                        - Sim. todos. Mas olhe, quem paga a conta é aqui o meu amigo Alberto, o capitalista de serviço! - e eu, sem acusar o toque:
                        - Vêem? Subi de categoria, sou capitalista, qualquer dia também sou nacionalizado!
               Comunicámos ao chefe de mesa as nossas preferências e dirigimo-nos ao restaurante onde nos sentámos os seis numa mesa redonda. Fernando iniciou a conversa:
                        - Viemos cá porque queríamos definir uma estratégia para os próximos dias. Antes de saírmos da FAP, recebemos alguns telefonemas agradáveis,  de apoio, em particular um do nosso amigo Queiroz e outro dum conhecido na direcção dum jornal. De qualquer modo não convém baixar as armas, devemos prepararmo-nos para diversas alternativas.
                        - Que notícias agradáveis receberam? - inquiriu Gabriel.
                        - Notícias de que o governo estaria recuando. No entanto, nada de entusiasmos. Surgiram também norícias diferentes.
                Fernando e Júlia, bem treinados em reuniões, falavam sempre sem atropelos, sempre parecia que traziam a lição bem preparada, bem ensaiada. Avaros nas críticas quando razão tinham, elogios em doses adequadas ao mérito revelado, sempre que falavam esterávamos escutar algo de interesse, adaptado às circunstâncias do momento. Habituados a gerir bem o tampo das discussões, não divagavam por lugares comuns, só nos presenteavam com algum floreado quando a conversa entrava na ironia ou nos domínios do humor.
                De súbiro, Júlia quebrou o silêncio:
                        - Recebemos esta tarde, com a indicação de urgente, êste aviso da polícia judiciãria comunicando-nos a próxima visita dum subchefe de nome Mário Matos, aviso acompanhado dum despacho do tribunal concedendo autorização àquela polícia para revistarem, na FAP, o que julguem neessário.Por outro lado o correio continua entregando-nos inúmeras cartas anónimas, algumas bem ameaçadoras. Telefonei esta tarde ao subchefe Matos para lhe comunicar êste assunto, perguntando-lhe se o poderiam investigar. Ele informou-me que virá amanhã às dez. - Júlia guardou o ofício na mala, limpou os lábios com o guardanapo e continuou - e que se fará acompanhar dum colega, para cumprir o despacho do tribunal. Quanto às cartas anónimas nada me respondeu. Como devemos encarar êste assunto?
                 Tentei afastar as sombras provocadas pelas últimas notícias, desviando e amenizando a conversa:
                         - O livro que me encomendaram para a FAP vai tendo contribuições interessantes, ingredientes salgados, surgiu o crime, virá também a intriga, o amor, o "suspense"? Oxalá que não, prometi a mim próprio, mais que a vós, não aceitar êsse estilo, a não ser que os factos a tanto me obriguem...Por favor não permitam que cartas anónimas vos afectem mais que simples mexericos. Aceitem-nas como acontecimentos normais numa grande empresa, como é a FAP ou digamos, numa grande família como é a FAP. Conheci famílias, que viviam em boa harmonia, onde cartas anónimas eram consideradas abaixo de lixo. Pelo contrário, noutras famílias onde reinava uma discórdia permanente entre os pais, onde eram frequentes os gritos por dá cá aquela palha e os filhos ouviam a toda a hora berros e recriminaçoes. Ali, se o carteiro deixava uma carta aanónima, desencadeava-se um temporal de acusações cruzadas, injúrias agrestes, increpações injustas. A família FAP, pelo que venho observando, é uma boa família, muito forte, muito unida. Estou convencido que será fácil que aqui todos se convençam de que cartas anónimas não passam de "zumbidos de moscas nos ouvidos" omo dizia o Sinuhe do romance "Sinhue, o egípcio".
                           - Mas, se continuam as cartas anónimas? - insistiu Júlia.
                           - Desprezem-nas, como as desprezam os pais das boas famílias! Nem valem a atenção que lhes estão dando aqui, nem merecem que nos esqueçamos duma boa sobrenesa que ainda não encomendámos. Seremos capazes de conversar sobre um tema mais interessante? Proponho que o amigo Carlos, mudo até êste momento, nos brinde com uma história da sua valiosa colecção.
               Num grupo de amigos que conversam bem dispostos, é provável que os que pensam de forma serena manifestem clara superioridade na análise, nos juizos, nas opiniões. Raro se apressam, atropelam a voz  doutro, deturpam o que ouvem para reforçar o que dizem, não necessitando de elevar a voz para silenciar o adversário. Quem se apressa por sistema, comete mais erros, o que atropela a voz doutro revela falta de ética, quem deturpa o que ouve revela pouca lealdade, quem eleva a voz para abafar a do adversário, tenta intimidar com vozearia de taberna.
                Apreciava muito o grupo que convidara para jantar. Todos são conversadores, o que havia verificado noutras ocasiões em que  nos reuníramos. As duas senhoras - que além de mais também nos alegravam com boa disposição - manifestavam espontaneidade e inteligência no que diziam,  com comentários oportunos, referências adequadas e salpicos de humor. Dos homens, o que eu esperava: Fernando, preciso e pragmático, sem se chato. Carlos, erudito, sem atitudes doutorais, Gabriel, amigo da metáfora humorística, sensato quanto a delicadeza o exigia.
                 Júlia, antes de Carlos iniciar a história pedida, disse:
                              - Desculpem-me ainda tenho mais para dizer e que é importante. Vocês sabem que os presidentes das câmaras da margem sul têem-noa apoiado bastante, não interferindo nas nossas actividades, permitindo sem intromissões o comércio nos pontos de venda, não nos perturbando com fiscalizações frequentes nem burocracias exageradas. Confesso que hoje, de manhã, fiquei surpreendida quando o secretário do presidente da edilidade apareceu no meu gabinete, dizendo-me que vinha da parte do presidente explicando-me, depois de alguns rodeios, que a acção da FAP está sendo muito contestada em diversos ministérios, confirmando-se a ideia da nacionalização da FAP e, pior ainda, que pretendem edxtinguir-la.
(continua)                                                              
      
                      

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