V
A caminho de casa, após relatar ao marido o comportamento dos filhos no fim de semana, Julia perguntou-lhe:
- Conta-me a grande novidade de que me falaste quando chegámos.
- Bem, prepara-te. Não é uma novidade, são duas.
- Bôas ou más? Mas conta, conta e não te distraias da condução, - atalhou Julia.
- Olha, a primeira é que me saíu um prémio na lotaria...de vinte mil contos...- disse Fernando quase em surdina.
- Ouvi bem...Diseeste vinte mil contos? - perguntou Julia abrindo a boca de espanto durante alguns segundos e olhando para o marido que, impávido, conduzia seremamente por entre o emarenhado do trânsito, intenso àquela hora.
Fernando, maneando a cabeça, confirmou, acrescentando:
- Sim, minha Julia!
- Podemos receber essa massa toda...Já foste ao banco depositar o bilhete?
Estacionando o automovel, o marido respondeu:
- Sim Julia, fui lá antes de vir esperar-te. Vamos para casa almoçar e já te conto o resto, a segunda novidade.
Entraram em casa. Fernando sentou-se à mesa:
- Julia a segunda novidade: não sei se poderemos gastar o dinheiro do prémio.
- O quê? O quê? - perguntou Julia, sorrindo de incredulidade.
- Bem, é melhor contar-te tudo desde o princípio - e Fernando, depois de mastigar e engolir durante alguns segundos, contou-lhe, referindo-lhe todos os pormenores, o sonho na penúltima noite, as regras impostas, a compra do bilhete de lotaria ao cauteleiro de cara estranha, quase igual à cara do homem do sonho.
- Isso é uma fantasia muito grande, afinal já recebeste ou não recebeste o prémio? - declarou Julia, inconformada.
- Olha Julia, fantasia ou não, certo me parece que nos sairam vinte mil contos(*) na lotaria. No banco disseram-me que o dinheiro só estará à nossa ordem dentro de três dias.
* o escudo era a moeda que circulou até ao ano 2001 e um conto significava mil escudos
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