Carlos, desde muita novo, desenvolvera grande capacidade de iniciativa. No liceu sera suficiente olhar dez ou vinte segundos cada página dada na lição anterior para as fixar durante imenso tempo. Após a formatura superior de economia dedicou-se de imediato à editora, auxiliando o pai, obrigado pela doença a dispor de pouco tempo para a empresa. E, em casa, seis prateleiras que ocupavam de cima abaixo as paredes, na sua maioria continham livros de arte, história e filosofia. no entanto, Carlos ali não colocava um livro sem o catalogar e sem o folhear, como folheava os livros do liceu. Surpreendendo os amigos, conhecia sempre e com minúcia notavel qualquer livro que se escolhesse na sua biblioteca.
Possuindo muita facilidade de palavra, humor fluente e elegância nas respostas, com frequência era convidado para palestras ligadas à sua formação ou à actividade da empresa editora onde já exercia desde há alguns anos a função de gerente. Não publicava um livro sem o folhear do princípio ao fim e, se lhe perguntavam como tinha paciência para tanto, respondia sempre "se não gosto do que vejo escrito, faço-o por dever de ofício, se gosto, faço-o com prazer".
Em Sintra, Laura estacionou o carro junto a uma esplanada e dedicou-se, com o marido e os amigos, aos refrescos e às queijadas. E tambem à continuação do tema sobre a sorte.
- Continuo a pensar que a sorte não existe, o destino sim - e Laura acrescentou - diz-me cá Fernando antes desses sonhos quando foi que tu e Julia tiveram sorte? Dessa sorte de que falávamos há pouco no carro, sorte como a sorte dos vinte mil contos, se vos tivessem saido, sorte de vos surgir qualquer coisa muita inesperada, muito boa, de possibilidade quase zero?
- Penso que há várias respostas. Muito inesperada e muito boa para nós foi a notícia da gravidez de Julia, da primeira e da segunda...
- Bem, essas penso que nem inesperadas nem de possibilidades zero!
- Ora! Sorte como a dos vinte mil contos não foi sorte, foi desilulsão, desgosto e tambem preocupação... Um pouco de temor pelo que o futuro nos vai dar com esta coisa dos sonhos, - Fernando acrescentou - e estou a sentir-me nas mãos do imprevisto. Mas igualmente começo a sentir alguma curiosidade e algum prazer desta passagem do sonho à realidade.
( continua )
Sem comentários:
Enviar um comentário