- Seja amanhã, seja depois, vamos começar a gasta-lo, que achas de trocarmos já o carro? Tem mais de seis anos e há também...
- Mas Julia, que fazemos que fazemos em relação àquelas regras? - interrompeu Fernando.
- Quais regras, qual carapuça, não me venhas dizer...Sabes, o melhor que temos a fazer é irmos esta tarde escolher o carrinho, passas um cheque e acabou-se.
- Pois é mas...E se a regra do sonho se cumpre?
Julia não o deixou continuar, aproximou-se carinhosamente de Fernando e deu-lhe um beijo prolongado.
- Vá, faz-me esta vontade, querido. Vamos sair, são quatro horas temos tempo de encontrar o stand aberto...
- Julia o dinheiro não estará à nossa ordem antes de tres dias!
- Ora, ora, passas um cheque, pronto!
- O carro só poderá ser levantado quando o banco debitar o cheque na nossa conta - disse-lhe Fernando.
Há muito que se habituara a ponderar antes de qualquer decisão. Empregando o tempo, a calma e a serenidade necessárias, de acordo com a importância do assunto. Detestando tudo o que representasse rotina, Fernando nunca cedia a um impulso repentino, tinha uma disciplina de espírito que o conduzia a um raciocínio lógico no qual apioava qualquer resolução a tomar.
Julia, muito mais impetuosa, cedendo muito depressa à sua intuição, partindo de alguns princípios do género "as coisas são como são", equilibrava, pelo seu modo decidido, alegre, carinhoso e sensato, as demoras do marido nas resoluções. Por isso, não cedendo, continuou:
- Está bem, combinas tudo isso com o vendedor...Vou arranjar-me para saírmos.
O tempo, lá fora, continuava agreste e, na sala, uma forte penumbra traduzia-se na ausência de contornos, em todos os objectos. As paredes não eram mais que sombras difusas que entristecia o ambiente. Fernando, sentado numa poltrona, entretinha-se a pensar nas condições a impôr para a compra do carro. Avisaria o vendedor do automovel que só daí a dois, melhor, daí a tres dias se concretizaria a venda. Estabeleceria com êle a forma de não fugir à promessa feita a Julia, mas precavendo a alternativa de que o negócio não se realizaria se o prémio da lotaria desaparecesse, ao cumprir-se a ameaça incluida na regra que o homem do sonho estabelecera.
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