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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Soonhos com sorte - 9

III
Situações delicadas e diversas tinham consolidado a amizade entre Júlia e Laura,uma ligação fortíssima, semelhante, na intensidade à existente entre os maridos. Partilhando o mesmo apartamento nas férias ou, após grandes discussões que haviam começado pouco antes, arrancavam para uma viagem ao estrangeiro ou dentro de Portugal, planeada ao milímetro e alterada em cada dia que passavem fora, o que sempre constituia uma obrigação estabelecida como complemento impreterível do plano. "Não há plano que não se possa desprogramar" - dizia Carlos quando os amigos lhe criticavam a pusilanimidade. Noutras ocasiões aconselhava "às vezes a volta ao contrário é melhor, mais interessante". Ou lembrava: "até d.Afonso Henriques adiou uns meses a tomada de Santarém para casar com a menina dona Mafalda".

Carlos, completado o doutoramento, não teve tempo para gozar férias. O tratamento e a debilidade devidas a doença cancerosa, incapacitou o pai de continuar a dirigir a empresa tipográfica, com vinte e dois trabalhadores efectivos. Não sendo pessoa capaz de cruzar os braços e perder a esperança, nem lhe passou pela cabeça a hipótese de venda da empresa. Carlos, filho único e de amor intenso pelos pais, verificou que a tenacidade destes compensava e muito diminuia os temores e as preocupações que essa doença sempre provoca. Entretanto, a bôa assistência médica dum grande amigo, preparou-os para o pior. Nos primeiros três meses após a operação a que o cancro obrigou, o pai não abandonou os projectos que decidira para a empresa, nem abandonou outros por iniciar. Carlos não hesitou no auxílio ao pai, substituindo-o quando foi diagnosticada e confirmada a doença, tratamentos que o impedia de fazer o que mais gostava, a sua ocupação na empresa.
Desde miúdo acompanhava o pai nos trabalhos da tipografia fundada. Aos dez anos sabia trabalhar com algumas das máquinas, nas férias ganhava os seus tostões e o pai mostrava-lhe e explicava-lhe sempre as contas que fazia para as encomendas que obtinha e executava. Desde que entrara pela primeira vez na tipografia, o pai dizia-lhe quase todos os dias: "só poderás trabalhar aqui se o desejares". Quando adoeceu e Carlos lhe disse que não se preocupasse, que tomaria conta da empresa, até nesse dia o pai lhe disse: "sò se quizeres e gostares desse trabalho, se não o quizeres nem o desejares, contrataremos um gerente".

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Na vida de todos nós a sorte é encarada como uma excepção. E porque não poderá acontecer que a excepção apareça um dia como regra na vida de alguém? Se bem recordarmos, muito nos aconteceu na vida, fora das nossas expectativas, de forma inesperada e enriquecendo-a.

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