Anos quarenta do século passado, do século vinte.
Nesse tempo íamos para Lisboa, no fim das férias, por norma geral num domingo, apanhando o comboio chamado ´"rápido", e que demorava umas quatro horas até ao Barreiro. Os rapazes regressavam aos colégios e aos liceus. E a estação de Portimão dos caminhos de ferro enchia-se com as famílias e amigos que se iam despedir dos meninos. Comboios com carruagens de primeira, de segunda e de terceira classe e com portas, cada uma com janela, que abriam para fora de cada compartimento.
Três avisos assinalavam a partida de qualquer comboio: primeiro, o do chefe da estação que dizia bem alto "partida!", o segundo, o que provinha duma corneta que outro funcionário da estação fazia soar junto da última carruagem, a das mercadorias, quando estas já se encontravam arrrumadas lá dentro. O som dessas cornetas era timbre bem conhecido, parecia um ééé agudo e contínuo, gritado por um cantor deafinado. E o último aviso era o apito do comboio, bem característico dos comboios a vapor daqueles tempos.
Um dos meus amigos daqueles tempos e que regressava a Lisboa,às aulas, no mesmo dia que eu, era o José Valentim, que os pais e os amigos tratavam por Zéca. Nesse dia a estação estava repleta, mal nos podíamos mover entre as gentes.
Por fim o comboio chegou, abriram-se as portas das carruagens e começamos a entrar, após as despedidas da praxe. Eu entrei e, com o compartimento cheio, fechei a porta e assomei-me à janela, despedindo-me da minha Mãe. A seu lado a dona Helena, a mãe do Zeca, perguntou-me por duas ou três vezes pelo Zéca. "Não sei onde ele foi, dona Helena, há bocadinho esteve aí!". O chefe da estação lançou o seu aviso de "partida!", toda a gente se silenciou. E entâo a dona Helena, preocupada, lançou o seu grito de chamada, tão parecido com o som da corneta do comboio:
-"Zéééca ! Zéééca"!
E o comboio apitou e partiu.
Sem comentários:
Enviar um comentário